Por: Carla Nechar de Queiroz*
A família é um dos elementos básicos necessários para o sucesso da terapia fonoaudiológica, juntamente com a participação ativa do paciente e do profissional. No caso das crianças, ela é um membro ativo do processo de terapia pois é o centro de suas vidas. Porém, muitas vezes, ela precisa ser orientada e reorganizada para contribuir de forma positiva para o tratamento da dificuldade que se apresenta. A terapia fonoaudiológica é antes de tudo um processso; demora um determinado tempo para se poder observar os resultados.
Vamos por nomes na situação para facilitar . Suponhamos que temos uma criança, João, de 6 anos de idade que troca sons na fala. Ele, por exemplo, troca os sons fricativos ( / f / e / v /) por / t / . Assim, se ele quer dizer “vaca”, nós ouvimos “taca”. O nome corriqueiro para descrever uma situação dessas é “fala em tatibitati”. Já, o nome técnico adequado é “anteriorização”. É comum que este tipo de troca ocorra no início do aprendizado da fala. Porém, com 6 anos não é mais aceitável. Este tipo de troca, por ser comum em uma população mais jovem, traz a imagem uma criança pequena, frágil, dependente, e, se ela tem 6 anos, o profissional deve verificar se ela é mimada ou não. Muitas vezes o mimo não se restringe apenas à satisfazer os desejos da criança mas pode também ser a simples falta de limites.
Pronto! Agora o fonoaudiólogo deve lidar com a família e a dinâmica familiar. E, sem a ajuda da família, seu trabalho estará comprometido: provavelmente a terapia vai levar muito mais tempo. E, acreditem, o profissional sempre sabe se está realmente sendo apoiado pela família. Vamos supor que este é o caso de João, 6 anos, filho único de uma gravidez tardia e muito esperada. Como esta criança foi desejada uma vida toda, muitas vezes é difícil para os pais verem seus “bêbês” crescerem e tornarem-se independentes. Então, os pais o cercam de coisas gostosas, para que ele não precise explorar o mundo e fique lá em casa, com eles….Os pais não o reepreendem pois quebrar coisas em casa, por ficar correndo na sala e desenhando nas paredes ( “Ele pode vir a ser um grande pintor”), sempre lhe oferecem guloseimas e João chega em casa sempre com um presentinho, uma coisinha nova. Esta família deve ser orientada pelo profissional a mudar esta linha de comportamento que está reforçando o comportamento que se está tratando. O difícil é convencer a família de que ELES estão errados, e de que você, que mal conhece o Joãozinho, sabe o que é melhor para ele…
Não que seja fácil fazer aquilo que o profissional pede…muitas vezes ele pede coisas impossíveis que seriam as ideais para ajudar aquela determinada criança, e, se este for o caso, todos os interessados devem se sentar e rediscutir o caso, para que a melhor solução seja encontrada. Afinal, apesar de ser contratado pelos pais, o paciente é a criança e o seu interesse e bem-estar é que deve ser o objetivo do tratamento. Vamos voltar para o caso do nosso amiguinho, João, que agora não é mimado mas….
Conversando com os pais, o fonoaudiólogo percebe que muita tensão e animosidade entre os pais. Eles chegam a dizer que estão juntos apenas esperando que João cresça…. Será que João vai querer crescer algum dia? Eu, se fosse ele, não ia querer não, pois ficando assim, uma “criança grande”, talvez ele consiga manter a sua família unida. As crianças sempre sentem as tensões entre os pais. Por serem muito verdadeiras elas estão abertas a todo e qualquer tipo de conflito.
Pronto! Cá estamos nós novamente dando de frente com uma situação que deve ser resolvida pela família mas que tem implicações imediatas na criança, nosso paciente. O que fazer? Pelo menos, pelo ponto de vista do profissional, devo confessar que estes pais foram ótimos por não tentarem esconder uma situação, o que é MUITO comum. E, depois de uma conversa com os pais, muitas vezes o profissional fica achando que tem alguma coisa engraçada, alguma coisa estranha que não encaixa ou que está faltando. É claro que muitas vezes isso não se revela como sendo um fato mas, muitas outras, a terapia fica emperrada, estacionada até que o problema real se apresente: este é o tempo necessário para que os pais confiem no profissional. Neste outro cenário, o fonoaudiólogo pode oferecer ajuda na forma de um encamimhamento para um terapeuta familiar, psicólogo infantil, etc. Não é da competência dele se envolver na crise familiar além do extrememente necessário. Mas ele deve deixar claro para os pais que a terapia fonoaudiológica provavelmente vai sofrer atrasos e revezes enquanto a situação não for resolvida. Ou seja, muitas vezes a família acha que, resolvendo o problema visível, é suficiente para que os problemas “invisíveis” permaneçam assim, escondidos. E isso deve ser deixado claro que não é possível. Por isso, muitas vezes é mais fácil culpar o profissional que não fez o seu serviço bem feito do que enfrentar de frente as razões para a falha do profissional.
Por favor, o exemplo da troca na fala foi apenas ilustrativo. Vocês mães que tenham filhos com esta troca avaliem seu comportamento com eles e vocês mesmas poderão descobrir se a troca na fala deles é ou não consequência da dinâmica familiar, ou se eles trocam sons na fala e estão melhorando ou se não seria hora de procurar um profissional para orientação…Muitas vezes, um telefonema ou e-mail é suficiente para esclarecer algumas dúvidas. Até a próxima!
* Carla Nechar de Queiroz é Fonoaudióloga chefe do Serviço de Fonoaudiologia da SPO
Formada pela EPM (atual UNIFESP) – Mestrado na Illionois State University – CRFa. 5263