Por: Carla Nechar de Queiroz*
Nós fonoaudiólogos a conhecemos como disfluência, mas ela é melhor conhecida como gagueira. É bastante comum recebermos para avaliação crianças que, de acordo com os pais são “gagas”. Por isso, vou falar um pouco desta desordem da comunicação.
ORIGEM DO PROBLEMA
A disfluência é, ainda hoje, uma desordem a ser esclarecida. Isto porque existem duas correntes de pensamento no que se refere à disfluência. Uma, mais psicológica, acredita que a disfluência é uma alteração de fala de origem emocional: medo de se expressar, baixa auto-estima, etc. Outra, organicista, acredita que o funcionamento cerebral do indivíduos gagos é diferente do dos outros indivíduos. Apesar dos avanços tecnológicos que nos permitem observar cérebros em funcionamento, os estudos realizados em indivíduos disfluentes ainda não apresentaram resultados definitivos. Por motivos que ficarão claros mais adiante, pessoalmente fico mais à vontade pensando na disfluência de acordo com a primeira corrente de pensamento.
RITMO DA FALA
A fala como a conhecemos, tem um determinado ritmo, uma palavra segue a outra num contínuo, sendo difícil às vezes até separá-las. Ao ouvirmos a fala, sabemos aonde começa uma e termina outra pois existem pequenas pausas, muitas vezes imperceptíveis. Estas pausas são necessárias para que respiraremos, para continuar falando. Porém, na maioria das vezes nos é possível saber quando uma pessoa fala rápido ou devagar, dentro do que pode ser considerado de fala normal. Muitas vezes o modo de fala é associado à personalidade do indivíduo. Por exemplo, o agitado fala mais rápido enquanto que o mais sossegado e relaxado fala mais devagar. Em algum momento, cada um de nós já repetiu sons, sílabas e/ou palavras enquanto estávamos falando. Mas nenhum de nós se considera gago. Aquele que se embaralha durante uma apresentação oral e se repete algumas vezes, não é disfluente. Aquele que fica nervoso diante do seu superior enquanto pedindo por um aumento de salário não é disfluente. Em outras palavras, situações nas quais o indivíduo fica nervoso ou com medo tendem a quebrar a fluência da fala. Mas, uma vez passado o momento, a fluência volta.
CARACTERIZAÇÃO DA DISFLUÊNCIA
Quando, porém, ocorre a repetição de um um mesmo som, uma mesma sílaba ou palavra, há a tendência de pensarmos na “gagueira”. E esta é mesmo a definição da disfluência, a quebra do ritmo normal da fala. No entanto, para ser considerada disfluência, estas repetições devem ocorrer de modo frequente e em todas as situações de fala. Deve ocorrer a fuga das situações de fala, movimentos associados de cabeça, pescoço, às vezes ombros, braços e pés durante a tentativa de emitir a palavra desejada. Estes elementos citados acima nos ajudam a classificar a disfluência em graus.
O QUE NÃO FAZER
É por isso que é extremamente importante que os pais NÃO chamem seus filhos de gagos. Principalmente as crianças de 3 – 4 anos de idade. Esta é uma fase do desenvolvimento da criança na qual é bastante comum observarmos o que é chamado de “gagueira fisiológica” . Isto quer dizer que, nesta época do desenvolvimento, não é de se espantar caso a criança apresente um comportamento disfluente. Porém, os pais devem se policiar assim como aos avós e aos outros que convivam muito com a criança, para não rotular a criança como sendo “gaga”. Este comportamento deve ser encarado como se não existisse, como se a repetição não tivesse sido notada.
Portanto, dizer coisas do tipo: “Respire antes de falar, menino” ou “Pense antes de começar a falar senão você gagueja, filho”, “Pare para respirar e falar” é a PIOR coisa a ser feita. Só existe uma coisa tão ruim quanto dizer estas coisas: é você dizer aquilo que seu filho está tentando falar. Estas respostas por parte dos pais simplesmente mostram à criança que falar é complicado, requer tempo e é difícil. Quem quer que os outros fiquem esperando, olhando para você enquanto você tenta falar certo?? E, você nem precisa falar pois eles já sabem o que você queria dizer, não é mesmo??
* Carla Nechar de Queiroz é Fonoaudióloga chefe do Serviço de Fonoaudiologia da SPO
Formada pela EPM (atual UNIFESP) – Mestrado na Illionois State University – CRFa. 5263