Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
Infelizmente muitas mulheres fazem o jogo machista. Muitas e muitas mulheres dizem horrorizadas: “Eu não sou feminista”.
Isso porque associam o rótulo “feminista” a uma série de imagens horrendas, amplamente divulgadas pela nossa mídia, como a de mulheres que querem ser superiores aos homens, mulheres que se aproveitam das acusações de assédio sexual para, malandramente, descolar uma grana alta, mulheres feias e mal amadas, etc.
As feministas não são nada disso.
Feministas são mulheres que lutaram e que lutam pela eliminação dos preconceitos que cercearam e ainda cerceiam o desenvolvimento pleno do sexo feminino.
Sem as nossas antepassadas feministas ainda estaríamos na mesma situação social humilhante e degradante em que fomos mergulhadas durante séculos e séculos. Não votaríamos. Não dirigiriamos automóveis. Não trabalharíamos fora de casa. Não teríamos liberdade sexual e nem direito a planejar a nossa prole. Seriamos, ainda, as escravas que fomos. Seríamos ainda, na letra da lei, equiparadas aos sílvicolas e às crianças.
Essa é que a verdade. Esses são os fatos: quem conquistou, para as mulheres de hoje, os direitos que elas usufruem foram, sim, as feministas e mais ninguém. Foram as mulheres que ousaram se revoltar contra a sua condição social e pagaram altos preços por essa revolta. Mulheres como Emmeline Pankhurst que, no começo do século passado, liderou as sufragistas inglesas e foi presa por 12 vezes, sofrendo incontáveis humilhações. Mulheres como Margaret Sanger, que, nos anos de 1910, desafiou as autoridades norte americanas publicando informações sobre o controle da natalidade, fundando centros de planejamento familiar e enfrentando inúmeros processos e tendo mesmo que se afastar dos filhos e do marido e exilar-se na Inglaterra para não sofrer os horrores do cárcere. Isso para citar apenas dois exemplos, dos muitos que existem. Essas mulheres sacrificaram a sua vida pessoal para que nós hoje desfrutássemos de tudo o que a sociedade nos permite.
Nós, fêmeas, estamos cuspindo na nossa própria história. Estamos jogando porcaria no nosso próprio ventilador, quando fazemos esse joguinho machista e ignorante e embarcamos em mais esse preconceito de achar que feminista é sinônimo de mulher feia e mal amada. Desculpe-me, leitora, a agressividade, mas mais agressiva é a negação da nossa própria história, a degradação de uma luta milenar de tantas e tantas mulheres que sofreram para que você, hoje, tivesse alguma chance de ser feliz. Para que você pudesse ser cidadã, votar, estudar e até aprender a ler e a escrever. Elas lutaram, foram humilhadas e até morreram para que você pudesse se separar de um marido que não ama mais sem ser chamada de vagabunda. Para que você pudesse escolher quando quer ter filhos. Para que você pudesse ter prazer sexual. Para que você pudesse se realizar intelectual e financeiramente.
Posso escrever mais cinquenta páginas só com os nomes delas. De Mary Wollstonecraft, na Inglaterra dos anos 1760 à , passando pela brasileira Bertha Lutz, por Simone de Beavouir, Betty Fridan, Amelinha Telles e tantas outras heroínas, muitas anônimas, da luta pelos direitos da mulher.
E se essas mulheres conquistaram tanta coisa, ainda hoje sofremos os efeitos da nossa milenar discriminação. Ainda ganhamos menos que os homens, nos mesmo cargos. Ainda somos xingadas no trânsito, na TV, na publicidade. Ainda somos desvalorizadas na sociedade, consideradas menos capazes do que os homens no mundo científico e acadêmico. Ainda há porque lutar. Ainda há que matar dentro de nós mesmas os fantasmas da nossa discriminação que fazem com que nos desvalorizemos, que acreditemos que não somos mesmo capazes de tomar o nosso destino em nossas mãos e fazem com que ainda esperemos que algum homem vá resolver para nós os nossos problemas emocionais ou materiais.
Por isso, porque não confiamos em nós mesmas, é que tendemos a desprezar as nossas antepassadas que lutaram por nós e aquelas que, até hoje, estão nessa mesma luta.
Somos apenas ignorantes e desleais quando fazemos isso.
Eu sou feminista, sim. Desde criança, pois cresci ouvindo a minha mãe dizer que não tem nada que ter direitos diferentes para homens e mulheres. E a minha mãe nasceu em 1912!! Sou feminista, sim, porque sei que sou tão capaz quanto qualquer ser humano de ser responsável por meu próprio destino. Sou feminista, sim, porque quero ver o fim das discriminações sociais contra qualquer ser humano, seja ele de que cor for, de que sexo for, se que religião for… E se você, minha amiga, também se acha competente, capaz de realizar o que se propõe, se você acredita que todo ser humano nasce igual e morre igual, se você é contra a violência e a discriminação, então você também é feminista. Como o foram essas santas mulheres, nossas mães, que lutaram por nós. O resto é preconceito, jogo machista e ignorância.
*Isabel Fomm Vasconcellos é produtora e apresentadora do programa Saúde Feminina, ao vivo, segunda a sexta, 14h00 na Rede Mulher de TV e Rede Família e autora do livro “A Menstruação E Seus Mitos”, Ed. Mercuryo.