Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
O Estadão publica matéria sobre pesquisa americana que investiga os diferentes papéis sociais dos homens e das mulheres, perguntando se esse negócio do homem caçar e da mulher limpar é cultural ou genético. A TV, no dia seguinte, comenta. As Católicas Pelo Direito de Decidir promovem encontro para discutir o aborto legal. Gente importante se reúne para discutir o direito das mulheres de eliminar, ou não, um feto sem cérebro.
Ai, que cansaço!
Apesar de já sermos mais de metade da força produtiva do país, apesar de já termos provado e provado que somos tão capazes como qualquer macho, ainda recebo mensagens de leitoras que me dizem coisas como moças discriminadas no mundo do computador por serem consideradas, pelos homens, como “sem raciocínio lógico”.
Apesar de já termos vencido no mundo dos negócios e do trabalho e de já sermos quase 30% dos chefes de família, muitas e muitas moçoilas ainda sonham com o príncipe encantado que as tirará do borralho e as guindará a uma vida sem problemas de sobrevivência.
Apesar de as mulheres só terem conquistado o direito de votar a partir de 1920 e de essa conquista ter custado muitas vidas femininas, ainda perguntamos ao homem mais próximo em quem devemos votar nas eleições. E raramente damos nosso voto a uma mulher, as nossas políticas são eleitas com o voto dos homens, não com o nosso.
Ainda odiamos umas às outras, vendo a outra mulher sempre como uma inimiga em potencial, como se ainda estivéssemos naquela humilhante situação de cidadãs de segunda classe e precisássemos, por isso, nos degladiar para conseguir casar com o melhor partido disponível nos arredores, pois essa era a única forma de conseguir alguma ascensão social.
Apesar de termos nos projetado como executivas, médicas, esportistas, jornalistas, artistas, ainda não confiamos nas nossas chefes, ainda duvidamos das nossas médicas, ainda olhamos torto e, com medo, entregamos uma causa a uma advogada.
Nos sentimos inferiores, essa é a verdade. É exatamente por nos sentirmos inferiores que não podemos confiar plenamente em outra mulher. Dentro de nós, lá no fundo, acreditamos que a outra é tão inferior como nós.
Ai! Como é difícil modificar anos e anos, milênios, de condicionamento cultural!
Nos últimos duzentos anos muitas e muitas fêmeas, pelo mundo, lutaram para superar a humilhante condição de inferioridade que as leis e os costumes reservavam ao nosso sexo. Graças à luta dessas mulheres excepcionais, você pode, hoje, planejar a sua natalidade, estudar, aprender a ler e a escrever, votar, seguir uma carreira profissional e até mesmo ter prazer no sexo.
Mas, sem um pingo de gratidão, cuspindo na memória e no sofrimento dessas mulheres, você diz horrorizada: “feminista, eu? Deus me livre!”
Porque embarcou no jogo machista que fez da luta feminista sinônimo da negação da feminilidade, no jogo hipócrita da mídia conservadora que quer mas é ver tudo exatamente como sempre foi, pois é teoricamente mais fácil assim.
No entanto, nós mulheres, somos seres humanos com o mesmíssimo direito à vida, à realização pessoal e profissional, exatamente como qualquer macho.
É simplesmente ridículo que homens e mulheres ditos sérios ainda se reúnam para discutir coisas ridículas como o direito ao aborto legal (ele já é legal!) ou quem deve ou não lavar a louça e tirar o pó da casa!
É ridículo que ainda não confiemos nas políticas e nas profissionais e que façamos julgamentos moralistas, pautados por idéias de séculos passados, sobre mulheres que se libertaram desses malditos grilhões culturais e ousam viver a liberdade sexual, a liberdade econômica, o sucesso!
Ainda somos umas coitadas, que pedem licença para existir no mundo dos homens ao invés de, como deveríamos, contribuir para tornar esse mundo, testosterônico e agressivo, num mundo de mais emoção, intuição e amor, num mundo mais feminino e mais pacífico. Como sempre o quiseram as feministas.
Ai! Eu estou cansada. Mas ainda sonho.
*Isabel Fomm Vasconcellos é produtora e apresentadora do Saúde Feminina (segunda a sexta, ao vivo, 14h00, pela Rede Mulher de TV e Rede Família) e autora do livro “A Menstruação E Seus Mitos”, Ed. Mercuryo.