Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
A violência contra a mulher está enfocada no programa de maior audiência da TV Brasileira: a novela das oito, que, confesso, não assisto, mas ouço os inevitáveis comentários. A Rede Globo tem mostrado a preocupação de inserir temas, em suas novelas, que necessitam de visibilidade e de discussão em nosso meio. O que é bom, mas nem sempre, suficiente.
Em 1985, quando foi criada a primeira Delegacia de Defesa da Mulher, as feministas e as mulheres organizadas comemoraram largamente. Afinal, essa era uma velha reivindicação dos movimentos de mulheres. E sua conquista foi aplaudida internacionalmente.
Até então, o ditado “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” era o que imperava e as mulheres, desesperadas a ponto de procurar ajuda na polícia, eram ridicularizadas pelos atendentes.
Homens que espacam mulheres passaram por um período, depois da criação da delegacia, meio intimidados pela possibilidade de uma denúncia. Mas o que ocorreu, na prática, nestes quase 20 anos de delegacias da mulher, foi o eterno prestar queixa para logo depois retirá-la e a certeza da impunidade masculina.
O buraco, como sempre, é mais embaixo. Os homens agridem. Mas as mulheres, via de regra, aceitam essa agressão. O homem bate na mulher basicamente porque a mulher é dele, é considerada propriedade dele e, nessa condição, ele desconta nela tudo o que está explodindo em frustrações e em problemas não resolvidos dentro dele. Ela aceita ou porque o ama, ou porque dependente dele para a sua própria sobrevivência material e a dos filhos, ou porque acredita que o episódio não se repetirá. Mas invariavelmente se repete.
Para as mulheres é muito fácil cair nessa armadilha, afinal a sociedade conspira para que nós tenhamos a auto estima bem baixa e muitas de nós ainda acreditam que os homens são mesmo, em tudo, melhores e mais capazes do que as mulheres. O mercado de trabalho, embora composto em quase 50% pelo sexo feminino, ainda remunera inferiormente as mulheres em funções iguais as dos homens. Existem ainda as fantasias românticas, por exemplo: um dia ele se dobrará ante a força do meu amor, o destino da mulher é sofrer calada e outras pérolas da imbecilidade conformista.
Um terço das brasileiras sofre agressões dentro do lar. O número é absolutamente assustador. E a agressão contra as fêmeas é absolutamente democrática: acontece em todas as classes sociais.
Uma constatação (que não é minha, mas do psiquiatra coordenador do Núcelo de Saúde Mental da Mulher do Hospital das Clínicas, da USP, Dr. Joel Rennó Jr.) é que ambos, homem agressor e mulher agredida, estão psicologicamente doentes. Precisam de ajuda. E, muitas vezes, o agressor está não apenas psicológica, mas fisicamente doente. A agressão sistemática a sua companheira pode ser fruto de algo que se quebrou no seu cérebro, ou seja, de uma depressão perfeitamente curável, hoje, por medicamentos.
Assim, a proposta do Dr. Joel, que eu gostaria de endossar, é de que a pena para homens agressores, denunciados nas delegacias da mulher, deixe de ser o pagamento de uma cesta básica ou a prestação de serviços comunitários e se transforme na obrigatoriedade de frequentar um serviço, público ou privado, de saúde mental. Exatamente como a punição dos motoristas infratores, que só recuperam sua carta depois de frequentar um curso de educação para o trânsito.
De fato, o homem que agride sistematicamente a sua mulher, está doente. E precisa de ajuda. Assim como a mulher que se submete a essa violência eterna e repetida, também precisa dessa mesma ajuda. Ser saco-de-pancada parece combinar bem com milênios de discriminação, onde as mulheres tiveram seus direitos de cidadãs alvitados, sua capacidade intelectual restringida, seu valor diminuído e desprezado. Uma herança cultural dificil de superar e de esquecer.
Mas que precisa sim ser apagada de nossos inconscientes para que possamos, homens e mulheres, viver em relativa harmonia, criando os filhos com amor, sem neuroses e construindo assim, dia a dia, um mundo, futuro, melhor do que este, violento, em que vivemos hoje.
A violência, assim como muitas doenças, é, na verdade, uma reação à profunda tristeza que vive dentro de nós e, como diria Isaac Asimov, é também o último recurso da incompetência.
Um abraço
Isabel.
*Isabel Fomm Vasconcellos é produtora e apresentadora do Saúde Feminina (de segunda a sexta, meio dia, Rede Mulher de TV) e autora, sendo “Sexo Sem Vergonha” seu último livro, publicado pela Soler Editora.
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