Por: Isabel Fomm de Vasconcellos*
“Você, que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão.”
O verso de Chico Buarque é da famosa canção “Apesar de Você”, que quando foi censurada nos anos 1970 (como o foram tantas canções do Chico, tantas que ele começou a mandá-las para a censura sob o pseudônimo de Julinho da Adelaide), ficou ainda mais conhecida. Perguntado se a música tinha sido mesmo feita sobre a ditadura militar ele respondeu que não, que tinha sido feita para uma namorada dominadora que ele tinha.
A música do Chico é representativa de um momento da história brasileira, mas, apesar disso (ou de você…) seus versos não perderão nunca a sua atualidade. É um hino contra todas as atitudes e regimes e religiões e pessoas intolerantes.
Pessoas ou instituições intolerantes vivem inventando pecados para os quais não há perdão.
Penso que ainda haja um longo caminho a ser percorrido pela humanidade até que se possa eliminar a arrogância e a estupidez dos que se julgam donos da verdade, dos que vivem cheios de razão e vomitam regras como se alguém ou algum deus lhes tivesse dado esse direito.
É preciso entender que, quem não tem abertura para aceitar ou mesmo considerar idéias e posições diferentes das suas próprias, quer apenas arrumar seu mundo numa forma imutável e é apenas covarde demais para se permitir bagunçar a ordem da casa ou abrir as janelas para novos horizontes. É preciso fugir deles se quisermos preservar a liberdade, principalmente a liberdade de pensamento e de expressão.
Quando se supre a liberdade de expressão, automaticamente se compromete a liberdade de pensamento. Pouca gente admite isso porque, outra vez, a arrogância de todos nós nos faz imaginar que o pensamento é inatingível, que mesmo que vivamos num regime de absoluto calaaboca, o nosso pensamento é só nosso e não pode ser influenciado por aquilo que está supostamente fora de nós.
Triste engano. De tanto policiar a boca, a mente também se policia. Mesmo as mentes de gênios, como o grande poeta Chico Buarque, sofrem. Isso porque nós somos todos interligados, embora nos acreditemos absolutamente individuais. Existe o inconsciente coletivo, existe uma ligação mental entre todos os seres humanos, uma ligação que, algum dia, a ciência decifrará. Mas a poesia já decifrou: “Sou imenso, multidões contenho”, disse o poeta Walt Whitman.
Tudo o que acontece a um ser humano afeta a todos. Mas é o orgulho do individualismo que não nos deixa perceber.
Quando nos trancamos em nossas próprias convicções, quando acreditamos que a nossa verdade deva ser a verdade de todos, aí sim, estamos inventando a escuridão.
*Isabel Fomm de Vasconcellos é escritora e apresentadora de TV, jornalista especializada em saúde. saú[email protected]
Foto: Bruno135 l Depositophoto.com