Por: Isabel Fomm de Vasconcellos*
Dia desses fomos jantar, meu amor e eu, aqui ao lado de casa. Na mesa atrás de nós havia um senhor que falava muito alto e só pude imaginar duas razões para isso: ou ele era deficiente auditivo ou estava se exibindo. Sua conversa era uma sequência de pensamentos alheios e citações de filósofos ou políticos; o tom era acadêmico e logo percebi que o conteúdo era nenhum. Então, certamente, o senhor em questão não era deficiente auditivo.
Não foi fácil deixar de ouvi-lo (e esse parecia ser mesmo o seu objetivo, o restaurante inteiro era a sua plateia) e eu me senti numa máquina do tempo. O cara parecia saído de alguma cena daquele bar, da esquina da Consolação com a Paulista, nos anos 1970. Esse era o tom dos intelectuais de esquerda daqueles tempos. “A gente já era uma barra no tempo do rock do Blue Riviera”…
Por analogia, pensei na Eliana Cardoso. Suas críticas, crônicas e contos publicados deixam clara a sua sólida formação intelectual. Mas são pensamentos legítimos, que a formação intelectual inspira.
Tanto no caso do sujeito atrás de mim no Reserva Cultural, quanto no caso da maioria dos habitantes da fauna setentista do Riviera, naquele passado negro e censurado do nosso país, a formação intelectual se traduzia apenas e tão somente em verborragia.
Existe uma grande, mas sutil, diferença entre a verborragia e o discurso legítimo inspirado pela familiaridade com os grandes pensadores da história do mundo.
A verborragia é a citação lógica, porém despida de conteúdo e de sentimento.
O que estou chamando de discurso legítimo é fruto do nosso próprio pensamento e, principalmente dos nossos sentimentos, que nascem, é claro, influenciados e inspirados pelas nossas experiências de vida, incluindo o conhecimento intelectual e até a linguagem intelectual, mas sendo sempre uma fala sincera, indagadora e cheia da nossa própria reflexão pessoal.
O sentimento, enfim, é o que distingue o texto do jurássico e verborrágico senhor (que perturbou o meu jantar) de pessoas maravilhosas e sinceras como, por exemplo, a citada Eliana Cardoso.
Mas, sabe como é, intelectual machista não sente, só pensa. Afinal, os homens não choram…
Não?
*Isabel Fomm de Vasconcellos é escritora e apresentadora de TV, jornalista especializada em saúde. saú[email protected]