Por: Isabel Fomm de Vasconcellos*
Imagine você criando um filho e dizendo a ele que, já que você é rico e poderoso, ele tudo pode. Pode botar fogo no índio que está dormido no banco da praça. Pode fazer rachas de automóvel nas desertas avenidas da madrugada. Pode dirigir bêbado. Pode desprezar os pobres, as mulheres, os negros e os índios, porque estes são cidadãos de segunda classe. Pode, porque se der um rolo qualquer, se a polícia chiar, se alguém reclamar, papai paga, papai suborna, papai resolve.
Talvez não exista ninguém que diga explicitamente essas coisas para os seus filhos. Mas as crianças aprendem com os exemplos. Pais que manifestam seu desprezo pelas classes menos favorecidas. Pais que se orgulham do que o seu próprio dinheiro pode comprar. Pais que se vangloriam de levar vantagem por isso ou por aquilo. Pais que exteriorizam seus preconceitos de raça ou de sexo. Pais que incentivam os filhos homens a verem nas mulheres aquelas que são “para comer” e aquelas que são “para casar e parir”. Pais que não têm a menor consciência social. Pais que exploram e desprezam seus empregados. Pais que se julgam superiores por seus privilégios políticos ou de posses ou de cargos ou de escolaridade… Pais assim estarão condenados a ver seus filhos mergulhados na droga, na corrupção, na infelicidade.
A velha máxima que diz que o poder corrompe e que o poder absoluto corrompe absolutamente, lamento dizer, só se aplica aos poderosos incultos. E cultura independente de estudo, de classe social, de dinheiro ou mesmo de poder. A cultura vem do berço, vem da verdadeira educação, da tradição.
Quem é culto, de verdade (e aqui é preciso separar a cultura da simples erudição, da simples escolaridade ou da cultura de almanaque, que é usada como mais um fator de conquista de status social) possui uma compreensão da interdependência social em que estamos todos mergulhados. Quem é culto de verdade tem uma perspectiva histórica, sabe o que deve aos nossos antepassados, conhece a história da humanidade e o sofrimento dos que vieram antes para que chegássemos a este relativo progresso científico e social do qual desfrutamos hoje. Quem é realmente culto está vacinado contra as ilusões do status e da posição.
Existem pessoas cultas em todas as classes sociais.
E vemos, todos os dias, jornalistas, engenheiros, advogados, políticos e outros diplomados da vida que revelam, publicamente, a sua falta de cultura, a sua mentalidade egoísta e intolerante. São os diplomados incultos da vida.
Por isso, a política começa em casa. É em casa que as crianças se formam, independentemente da escola que cursem. É com o exemplo de vida que vêem em seu próprio lar que se formará a concepção de vida dos adultos que elas serão. Um lar cheio de preconceitos, de orgulho imbecil dos privilégios materiais, um lar onde a única leitura seja a revista de fofoca, um lar onde se exploram os empregados domésticos, um lar onde jamais se discuta qualquer questão mais relevante do que a vida dos atores da novela das oito, o desempenho do time de futebol e a importância do corpo sarado e coberto de etiquetas de grife, criará monstrinhos egoístas e corruptos.
Não adianta fingir que se é imortal. As questões existenciais, o grande mistério da vida, a importância das estrelas, da arte, da poesia, da música, da literatura; o respeito pela natureza, pela terra, pela ecologia; o amor pela beleza; a indignação pela miséria e pela violência… Tudo isto tem sim que estar presente no cotidiano das nossas crianças, tem que ser objeto de bem humorada discussão em nossos lares. É muito mais importante que a novela das oito.
Certa está a MTV que, frequentemente, manda o adolescente desligar a TV e ir ler um livro.
Enquanto negarmos, às nossas crianças, o direito à indagação filosófica e existencial, estaremos criando monstrinhos modernos e consumistas. Que, se forem políticos, certamente serão também corruptos.
A cultura está ao alcance de todos. Nas bibliotecas. Nos teatros. Nos museus. Nos parques ecológicos. Na Internet. E, surpreendentemente, até mesmo em algumas (poucas!) TVs. Melhore sua vida cultural, melhore a vida cultural de seus filhos. E você estará construindo um mundo melhor, um país melhor, cidadãos melhores e, por conseqüência, melhores políticos.
*Isabel Fomm de Vasconcellos é apresentadora e produtora do Saúde Feminina (segunda a sexta, meio dia, na Rede Mulher de TV) e autora de vários livros.
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