Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
Às vezes me canso de escrever sobre a condição social das mulheres, na verdade a minha própria condição social.
Também sou mulher, também estou sujeita aos mesmos preconceitos e as mesmas falácias que a nossa sociedade construiu, ao longo de milênios, sobre o nosso sexo.
Também sou vítima de mim mesma, dos próprios preconceitos que estão introjetados na minha cultura.
Mas aprendi, desde menina, a me valorizar como ser humano e a lutar contra a discriminação que sofria e ainda sofro.
No entanto, muitas mulheres preferem se esconder dentro de sua própria condição de discriminada, mascarando esta condição, negando esta condição. Provavelmente sofrem mais do que aquelas que batem de frente e que procuram afirmar socialmente a sua igual (ou às vezes superior) capacidade ou competência profissional.
Mas ainda criamos as nossas filhas com aquela antiga visão de que não haverá realização pessoal se não houver um homem ao lado. Não haverá segurança se um homem não tomar as rédeas das vidas femininas. Não haverá felicidade sem casamento e filhos.
Olha, nada contra homens. Eu mesma tenho um, que vive comigo há mais de duas décadas, e sou muito feliz no casamento.
Nada contra filhos.
Mas tudo contra homem e filhos como condição imprescindível para a realização pessoal.
A realização pessoal (e profissional) dos homens jamais dependeu da presença de suas esposas. Elas podem até contribuir, e efetivamente contribuem, para as carreiras de seus companheiros. Mas a realização deles não está atrelada a elas.
Quando uma mulher consegue escapar dessa armadilha cultural e realmente se realiza pessoalmente no estudo, no trabalho, na vida social, ela é muito mais feliz no relacionamento com o homem. Porque não joga nas costas do coitado a responsabilidade por toda a sua felicidade e realização. Apenas compartilha, com ele, a vida. E esta é a melhor maneira de amar, talvez a única maneira de amar.
Por isso, porque muitas de nós ainda vivemos a síndrome da Cinderela, esquecendo-nos de viver simplesmente a nossa própria vida, sem ficar ansiando pelo príncipe encantado (que geralmente, depois que chega, vira sapo) para, depois de o encontrarmos, passarmos realmente a viver, é que me sinto muito repetitiva escrevendo sobre a nossa situação no mundo.
Por isso, porque estou há quatro décadas escrevendo contra o preconceito e este muito pouco diminuiu em todos esses anos, é que me dá um certo desânimo.
Por isso, porque existem ainda muitas mulheres que preferem se iludir com as falsas promessas do machismo, é que às vezes eu chego a acreditar que não vale o esforço, que de nada adiantam as minhas palavras.
Mas, de repente, de algum lugar do mundo onde se fala português, chega um e-mail. E outro. E mais outro. Com mulheres querendo discutir a sua condição, com mulheres que me aplaudem e me criticam, com mulheres que acrescentam algo de bom e novo aos meus já tão antigos pensamentos feministas.
Por isso, e apenas por isso, continuo.
* Isabel Fomm Vasconcellos é apresentadora e produtora do Saúde Feminina (segunda a sexta, meio dia, na Rede Mulher de TV) e autora de vários livros.
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