Por: Isabel Fomm de Vasconcellos*
Uma enquete publicada na Internet, mostrava que o futebol é a segunda coisa que as mulheres mais detestam na vida. É claro que existem exceções, é claro que existem mulheres que gostam de futebol. Mas, todas nós, gostando ou não, acabamos envolvidas no clima das copas do mundo.
Já vivi muitas copas do mundo. Cresci ouvindo falar na derrota brasileira na copa de 1950 e já era crescidinha quando a seleção brasileira desfilou pelas ruas de São Paulo, em 1958, vitoriosa, com Bellini e Zagalo, creio eu, erguendo a taça e ouvia-se a música “a taça do mundo é nossa, com brasileiro, não há quem possa”…
Desculpe-me o leitor se as minhas lembranças não são tão precisas, não sei as escalações, nem me lembro do autor das músicas, mas isso é porque eu sou uma das dessas mulheres que não gosta de futebol.
Não há, no entanto, como não se importar com as copas do mundo, como ignorá-las. Eu nem sei o que é um impedimento, mas assisto aos jogos do Brasil a cada quatro anos.
Para os governos, é ótimo quando o Brasil ganha uma copa.
Qualquer político de quinta categoria sabe que a glória futebolística é uma das melhores maneiras de fazer o povo esquecer seus problemas e deixar de prestar atenção nas desgraças nacionais. Ao mesmo tempo, ser campeão do mundo faz o povo ter mais boa vontade com os governantes, como se eles próprios (os políticos, na sua maioria gorduchos e fora de forma) fossem os responsáveis pela conquista da taça.
Por falar em taça, alguém se lembra que a Jules Rimet, que ficou definitivamente no Brasil quando conquistamos os tri-campeonato, foi também roubada?
Não somos apenas campeões de futebol. Somos campeões da roubalheira.
Mas, na última copa, em 2002, ninguém acreditava na equipe do Filipão. Todo mundo achava que o Brasil ia se dar mal naquela copa, até o FHC vivia dizendo na mídia que o Filipão deveria convocar o Romário.
Por isso, em 2002, ninguém aqui no país estava muito entusiasmado com a copa do mundo. Fomos lá e voltamos penta campeões.
Agora, a poucos dias do início da competição, o Brasil inteiro só fala em hexa, a TV já dissecou a Alemanha, mostra milhões de produtos, inclusive comida, tudo em verde e amarelo. Perucas, camisas, faixas para o cabelo e para a cintura, ponchos, bolsas, sacolas, tudo em verde e amarelo, tudo com a bandeira nacional, das lojas sofisticadas da Oscar Freire às bancas dos camelôs.
Até parece que os cidadãos brasileiros se orgulham do seu país.
No entanto, a esmagadora maioria do nosso povo é incapaz de se lembrar em quem votou nas últimas eleições. A esmagadora maioria do nosso povo não acredita nos instrumentos democráticos de exercício da cidadania pois sabe que eles existem apenas “de fachada” e o que resolve mesmo é o famoso “pistolão” ou, mais modernamente, o QI (Quem Indica). A esmagadora maioria do nosso povo não tem absolutamente nenhum motivo para se orgulhar de seu país. Um país que tunga quatro meses de trabalho, em um ano, de seus cidadãos, em impostos, impostos que não voltam em forma de benefícios e/ou serviços, já que não existe nenhuma segurança pública, não existem escolas públicas que prestem, não existe saúde pública eficiente, não existe nada. E ainda temos uma das piores distribuições de renda do planeta.
O nosso Congresso Nacional, há mais de ano, não faz absolutamente nada. Está paralisado pelas infindáveis e inconclusivas CPIs da corrupção e pelas medidas provisórias.
O partido político que alardeava a ética, que se dizia honesto, o partido que supostamente era do povo, era dos trabalhadores, chegou ao poder e criou o mensalão e deu origem às CPIs e aos imensos escândalos da corrupção.
Só sobrou mesmo o futebol.
O único orgulhozinho que nos resta, a única razãozinha que nos sobrou, para nos ufanarmos de nossa pátria amada e idolatrada, está nas mãos (ou nos pés) de 22 brasileiros e um técnico. Que responsabilidade, hein?
Por isso fiquei tão impressionada ao entrevistar um médico importante da Medicina Esportiva nesta semana. Dr. Bernardino Santi disse, em meu programa de TV, que parte da nossa mídia deveria ser responsabilizada pelo que houve recentemente aqui em S.Paulo quando o Corinthians, contrariando as expectativas, perdeu uma taça internacional e a torcida, enlouquecida pela frustração, invadiu o campo e promoveu mais um lamentável espetáculo de selvageria futebolística. Ele acredita que vários segmentos da mídia foram responsáveis pelo nível de frustração dos torcedores, já que esses mesmos veículos de comunicação, semanas antes do jogo, alardeavam como certa, certíssima, a vitória do Corinthians.
E foi mais longe, o nosso doutor, disse-me:
– Isabel, eu temo o que poderá ocorrer se o Brasil perder a Copa.
Pois é. Podemos perder. Podemos não ser Hexa. E aí? O povo, já frustrado por tantas decepções cotidianas e tantas decepções políticas, sairá às ruas, revoltado, quebrando tudo?
Um povo que não se revolta diante da falta de tudo, da falta de segurança, da falta de vergonha na cara da maioria dos seus políticos, da falta de saúde, de educação, de cidadania, de respeito, de moral, revoltar-se-á contra a falta da Taça do Mundo? Um povo que não se revolta diante da impunidade de seus criminosos, quererá punir um time e um técnico de futebol?
O tamanho da frustração da derrota será diretamente proporcional ao tamanho da expectativa de vitória que a nossa mídia coloca todos os dias pelas nossas gargantas abaixo?
Não sei não. Mas estou pensando seriamente, antes do término da Copa do Mundo, em me mudar para Tiririca.
*Isabel Fomm de Vasconcellos é apresentadora e produtora do Saúde Feminina (segunda a sexta, meio dia, na Rede Mulher de TV) e autora de vários livros.
www.isabelvasconcellos.com.br