Por: Isabel Fomm de Vasconcellos*
Esta manhã eu estava lendo uma matéria sobre um novo projeto de lei que afasta o agressor de casa, no caso da violência doméstica contra as mulheres. Projeto este que rola pra lá e pra cá no congresso nacional há mais de quatro anos. Esse é um velho problema.
Há duas décadas temos as Delegacias de Defesa da Mulher mas, por mais que as mulheres criem coragem e denunciem, em foro próprio, a violência contra elas, quase sempre praticada por maridos, companheiros e pais, esses agressores continuam convivendo com elas sob o mesmo teto. E aí, como é que fica? Afastar o agressor do lar pode ser uma solução. Mas quem garante que, judicialmente afastado, ele não retornará?
O buraco é mais embaixo.
Longe de mim fazer pouco caso dessas conquistas da lei. A Delegacia da Mulher foi inegavelmente um avanço. Afastar o agressor, será outro avanço.
No entanto, eu me pergunto, o que tem feito a sociedade, o que temos feito nós, para combater efetivamente a violência doméstica?
Homens agridem mulheres porque, na cabeça deles, elas estão aí para isso mesmo. Homens descarregam sua infelicidade, sua frustração, sua impotência, na companheira que muitas vezes eles dizem amar. Ou cedem ao desejo de fazer amor com as próprias filhas ou enteadas. Por que? Por que ?
A desvalorização da mulher é evidente, nesses casos. Saco de pancada, objeto de satisfação de desejos sexuais primários, essas mulheres são as eternas vítimas. Muitas denunciam a violência, se arrependem, retiram a queixa. Outras perdoam o agressor, acreditando num momento de arrependimento deles e esperam que esses episódios não mais se repitam. Mas eles, invariavelmente, se repetem.
A desvalorização feminina é um fato social e cultural. Talvez muitas dessas mulheres-vítimas achem até natural o seu papel. Talvez sua auto-estima esteja tão baixa que elas não consigam colocar um fim na sua situação.
Floriza Verucci, feminista, importante jurista, infelizmente já falecida, contava uma história interessante sobre a sua avó. Dizia ela que, na noite de núpcias, sua avó disse ao marido:
– Olhe, se você algum dia erguer sua mão para me bater, você nunca mais poderá dormir ao meu lado.
– Por que? – perguntou o marido.
– Porque eu cortarei seu pinto fora.
Certamente, diante de uma ameaça tão potente, o avô da Floriza se comportou por toda a vida.
Talvez seja isso. Talvez caiba às vítimas da violência doméstica masculina criar coragem e tomar a vida nas próprias mãos, por mais difícil que possa parecer ser responsável por seu próprio sustento e de seus filhos. Talvez o caminho não seja afastar legalmente de casa o agressor. Mas nos afastarmos, corajosamente, dele, de tudo o que ele possa nos proporcionar, repudiando a convivência, refazendo nossas vidas.
Por isso também é que insisto tanto em que criemos nossas filhas para que sejam responsáveis por seu sustento, por sua vida, para que jamais sejam dependentes de qualquer homem, em qualquer aspecto.
É maravilhoso ter um companheiro e com ele compartilhar a vida.
Mas é horrível depender de um homem, que pode ter aparecido em nosso caminho como o grande amor e, de repente, revelar-se um agressor ou um estuprador.
E, acredite, isso acontece.
*Isabel Fomm de Vasconcellos é apresentadora e produtora do Saúde Feminina (segunda a sexta, meio dia, na Rede Mulher de TV) e autora de vários livros.
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