Por: Isabel Fomm de Vasconcellos*
Charles Kreisler, professor de Medicina do Sono da Harvard Medical School, afirma: “O sono não é opcional – é absolutamente crucial para a saúde das pessoas”.
O sintoma apontado como número um da falta de sono foi diminuição da paciência e da tolerância.
A pesquisa, que gerou essa conclusão, foi feita com executivos, mas eu gostaria de ver uma pesquisa semelhante com mulheres na menopausa, fossem elas executivas, donas de casa, pobres, ricas, de qualquer nacionalidade ou raça… enfim, todas!
Porque todas as mulheres que chegam à menopausa sofrerão, por um dia ou por anos a fio, as horrorosas ondas de calor.
A pesquisa citada constata o que todos os torturadores do planeta, desde que o mundo é o mundo, estão fartos de saber: prive o infeliz do torturado do sono e você terá quase 100% de eficácia na tortura.
Dormiu? Jogue um balde d’água nele, aplique um choque elétrico, queime a sua mão… Faça-o acordar até que ele desmaie.
Ou mais simples: programe você, para experimentar a barra pesada, o seu celular para tocar de hora em hora durante a noite e veja como você se levantará no dia seguinte. É isso que acontece com as mulheres menopausadas: acordam em intervalos de uma hora ou duas, no meio da noite, tomadas por uma horrenda onda de calor.
Imaginou?
Depois desse exercício, qualquer pessoa, da mais incompreensiva ou intolerante à mais machista, pensará duas vezes antes de criticar a mamãe, a vovó, a titia ou a colega por ela estar assim tão “inexplicavelmente” irritada se até já passou da época da TPM.
Pois é. Mal se livrou da menstruação e da irritação da TPM vêm as malditas ondas de calor para acabar com a paciência de qualquer mulher, por mais boazinha que ela possa ser.
Então a esta altura do campeonato você pode estar pensando que um bom médico poderia facilmente dar um jeito nisso.
Será mesmo ou esse é mais um mito da classe dos mitos “acalma mulher”?
Existe a famosa Terapêutica Hormonal da Menopausa (que antes se chamava Reposição Hormonal): Tome hormônios e livre-se de vários “sintomas” da menopausa, entre eles a onda de calor.
Fácil né?
Uma ova.
Começa que, a cada ano, surge uma nova pesquisa falando contra ou a favor desta ou daquela maneira de se fazer a tal da terapia hormonal. Já se disse que ela beneficiava o coração e hoje se diz que ela pode prejudicar o coração. Já se disse que ela causava cânceres ginecológicos e hoje está na moda dizer que o risco de câncer é muito pouco aumentado e que “os benefícios superam os riscos”. Ah, ótimo. Então mesmo que 1 mulher em 100 mil desenvolvesse câncer, as outras 99 mil ficariam só com os benefícios, mas e se fosse eu essa mulher 1? Risco é risco. Se não fosse importante ninguém jogava na loteria, afinal a chance de ganhar é 1 em 66 milhões, mas alguém ganha, né?
Você se arriscaria a ganhar um câncer?
Aí vem os adeptos da fitoterapia e os não menos famosos naturebas. Soja e outras plantinhas acabariam com o calor. Ninguém nunca provou e eu conheço montanhas de mulheres que experimentaram e não deu certo. Nem em remédios fitoterápicos, nem em chazinhos caseiros.
E aqui é preciso lembrar que não basta ser “natural” para estar livre de efeitos colaterais. O efeito colateral do natural arsênico é a morte. Além disso, eu vivo dizendo que natural mesmo é morar na caverna.
É claro que muitas mulheres já experimentaram tanto a terapia hormonal como alguns dos fitoterápicos conseguiram ficar satisfeitas, felizes, sem calores, etc.
Mas essas “muitas” são uma minoria muito pequena. Entre elas, algumas tiveram câncer. Outras engordaram e ouviram dos seus médicos que “engordar na sua idade é natural”. Outra mentira cabeluda pra salvar a terapia das acusações. O metabolismo pode ser menor, depois dos 50, mas o apetite também é. Engordar não é uma sentença da idade, quase sempre é por causa dos medicamentos mesmo.
E, para terminar, todos esses remédios tem preços absolutamente proibitivos para a maioria do nosso povo. Alguns estão na rede pública, só que não, né? Pois nem sempre estão disponíveis.
Porém, se servir de consolo e esperança, vale aqui lembrar que a saúde da mulher, em sua atenção integral, é coisa muito nova, existe de umas três décadas pra cá apenas. Antes, os médicos viam as mulheres apenas como um aparelho reprodutor, mais ou menos como uma vaca parideira.
A Atenção Integral à Saúde da Mulher, um conceito praticado hoje por quase a totalidade dos ginecologistas, é uma conquista feminista que, no Brasil, muito deveu aos movimentos organizados de mulheres e ao apoio de corajosos médicos como Albertina Duarte, Tânia Santana e o nosso saudoso José Aristodemo Pinotti, entre outros.
É preciso a presença feminina na Ciência e na Medicina para que se pesquise soluções para os problemas específicos das mulheres.
Um exemplo típico é o surgimento dos modernos absorventes íntimos. Por milênios as mulheres tiveram que suportar aquela sujeirada menstrual entre as pernas, primeiro com as toalhinhas e depois com aqueles absorventes enormes e desconfortáveis. Foi preciso que, nos anos 1980, uma médica alemã inventasse o OB para libertar as mulheres desse suplício mensal. (Ainda que, até hoje, muitas mulheres altamente reprimidas sexualmente se recusem a usar a comodidade dos absorventes internos por medo de manipular seus próprios órgãos sexuais e pelo preconceito resultante de milênios de repressão sexual que gerou um imenso desconhecimento da genitália feminina por parte das próprias mulheres e também dos homens).
Como as mulheres começaram a entrar na Medicina e na Ciência de uma forma maciça apenas a partir da década de 1970, e a alcançar projeção nessas áreas apenas em meados de 1980, faça a conta: é agora, em 2016 que as cientistas, pesquisadoras e médicas começarão a entrar na menopausa. Aí, minha amiga, para a nossa felicidade, elas descobrirão uma maneira bem melhor de nos livrar dos incômodos da menopausa.
Pois, como já dizia a minha sábia e falecida mãe, se os homens ficassem grávidos, o aborto jamais teria sido proibido. Há muito eles teriam estabelecido, para a sua própria conveniência, que a vida só começa quando o bebê sai do corpo da mãe e recebe nos pulmões a primeira golfada de ar; como está na Bíblia: o sopro da vida.
Então, enquanto soluções melhores não chegam, o jeito é se valer do que está aí hoje. Mesmo deixando a desejar, com efeitos adversos, ou resolvendo apenas em parte, os medicamentos sérios, depois de um período de adaptação e escolha individual, dão algum resultado.
Não sofra por algo que você, mulher, com a ajuda de um bom médico, pode remediar. Não sofra de TPM, nem de calores “menopausais”, nem por depressão (quatro vezes mais prevalentes em mulheres, no período reprodutivo, do que nos homens) e, principalmente, não sofra por ser mulher.
Afinal, o problemático corpo que temos, nós mulheres, é o preço que se paga pela capacidade reprodutiva. A nossa onda de calor é fruto do poder de gerar o sopro da vida!
Isabel Fomm de Vasconcellos é escritora e jornalista especializada em saúde. [email protected]