Por: Cássio dos Reis*
Um sentimento tão especial não pode ser desprezado.
Um misto que se contradiz, ao mesmo tempo envolto numa agradável embalagem de eterno enquanto dure, tem a desvantagem da tênue fragilidade.
A força de seu poder, pode nos levar às nuvens, a devastação de seu término alavanca um sentimento de tamanha dor que poucas sensações têm sua plenitude.
A paixão espreita todos nós e nos faz suas vítimas quando menos esperamos…ou melhor, ela chega como quem não quer nada e vai contaminando, provocando tremores de frio, lucidez turva da razão, inibição da ótica das coisas, revisão dos conceitos, o que nos torna dóceis, infantis e vulneráveis.
Quem já sentiu a força de uma paixão, sabe exatamente de que sensações estamos falando.
Os cientistas a descrevem como uma descarga bioquímica que transporta pelas entranhas de nosso ser um misto de adrenalina e outras substâncias secretas, que produzem uma confusão inebriante, como o porre da uma misteriosa bebida.
A sensação é maravilhosa, sentimo-nos nas nuvens, a felicidade fica tão explícita que todos ao nosso redor a percebem de imediato, o mundo se transforma num arco-íris, com direito a pote de ouro no final.
As variáveis são enormes, possibilitando ainda alusão a caprichos do inconsciente, que buscam na paixão a realização de um desejo não realizado, uma situação desconhecida, evocada num passado distante e, muitas vezes, negado, não importando como, o sentimento é único.
Mas, como tudo que é bom dura pouco, tem ela seus aspectos positivos e negativos.
Os positivos aparecem durante o torpor da visão de um mundo maravilhoso, o sentimento deita e rola, a sensação de felicidade parece realmente não ter fim.
Se for a pessoa que fará de sua vida um sonho, é como tirar a sorte grande, buscando a intimidade ideal no desabrochar do verdadeiro amor.
Os aspectos negativos aparecem quando, ao findar da mágica, só resta a sensação de um sentimento que não se renova, no momento que temos a exata medida do resultado zero e da verdade do amor cego, que era muito bonito, mas que, quando se torna real, não consegue vislumbrar nenhum atrativo, aquilo que parecia se encaixar como um delicado quebra-cabeças, não passa de um borrão na lembrança.
O sentimento de ter sido usada, do tempo perdido e dos projetos frustrados…Como se passasse de uma alucinação, na exata dimensão de um sonho que acabou num solavanco assustador.
Juntar os caquinhos nem sempre é a tarefa mais fácil e, muitas vezes, uma das mais perversas, necessitando até de acompanhamento psicológico para salvar o resto do que ficou.
O amor não dura o tempo todo da mesma maneira, se transmuta e precisa de cuidados para que o sentimento seja o tempo todo resgatado e assim possa manter o relacionamento como uma síntese de desejo e afeição.
A paixão, ao contrário do amor, dura intensamente por um tempo muito curto e a estabilização no amor vai se dando na medida em que os amantes passam a ter uma visão real da verdade do outro.
A maturidade do envolvimento afetivo consegue suportar a frustração de não conseguir ver no outro aquela perfeição ambulante.
A dificuldade a ser superada se dá quando este sentimento não consegue se reorganizar e o ajuste de um novo relacionamento terá que contar com a realidade que tinha sido mascarada.
Todos nós queremos viver um grande amor e se, de brinde, vier uma grande paixão, melhor ainda. Este sentimento, embora contraditório, é bom à beça e ninguém quer se ver livre de o sentir, mesmo que seja uma única vez.
De qualquer forma, não podemos desprezar os relacionamentos que, sem os arroubos de uma grande paixão, vão caminhando, lentamente se solidificando, sem a dimensão e o entusiasmo de uma cinematográfica conquista, nem do sentimento furacão que parece não ter fim.
Sólidos e intensos, como diluindo a paixão, a tornam eterna.
Quer felicidade maior?
*Cássio dos Reis é psicólogo e psicoterapeuta – CRP 4476-6 com consultório em São Paulo