Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
É inconcebível que a nossa TV continue a tratar as mulheres como se nós fossemos pouco mais que débeis mentais. Os ditos programas femininos da TV, além de serem todos iguais, não têm absolutamente nada a ver com a realidade das mulheres brasileiras.
A se crer nesse programas, todas nós somos muito comportadinhas, adoramos viver na cozinha fazendo pratos de 8 mil calorias cada (para depois consumir aqueles “remédios” que as apresentadoras vendem e que prometem fazer você perder peso sem dieta ou exercício, ou seja, por um milagre!).
Segundo a TV, todas nós nos deleitamos fazendo caixinhas enfeitadas, velazinhas perfumadas, bonequinhas de pano e outras maravilhas do artesanato que iremos, depois, comportadamente, vender nas ruas para complementar o orçamento doméstico, auxiliando, assim, os nossos maravilhosos machos a colocar comida (pra gente cozinhar) dentro de casa.
Ainda segundo esses programas, nós todas, obedientemente, seguimos todos os conselhos dos psicólogos de almanaque (e que são espertos o suficiente e endinheirados o suficiente para contratar assessores de imprensa que os “empurram” para os produtores de TV), conselhos esses que não servem absolutamente para resolver de fato os profundos problemas psicológicos e existenciais de todas nós.
Além disso os programas ainda vendem a ilusão de que, plantando umas ervinhas no quintal, encontraremos as curas que a ciência, os médicos e os sérios pesquisadores da indústria farmacêutica gastam anos e bilhões de dólares procurando.
Isto para não falar que esses programas também acreditam que a nossa única preocupação na vida seja saber que artista dorme com que artista e acompanhar a vida charmosa (e falsa) dos famosos nas casas noturnas, nos carrões e nos eventos (aos quais nós, comuns mortais, jamais somos convidadas).
E, para completar, todos esses programas embarcaram no mito da forma, essa moderna escravidão das mulheres que prega que, todas nós, independentemente da nossa genética ou da nossa conveniência, devemos ostentar corpos esculturais! Como se a nossa celulitezinha, a nossa barriguinha, o nosso bunbum meio caidinho, fosse o pior dos horrores. Nos humilham, pra nos vender soluções que são ilusões, aparelhos e remédios milagrosos e outros engodos, em detrimento da nossa natural saúde e alegria!
Ora, vá caçar sapos, televisão!
Apresentadoras com panos (de diversas texturas) amarrados em volta dos ombros e cabelos despenteados invadem as nossas casas, todas as manhãs e tardes, com seus sorrisos “xis”, completamente convictas de que estão prestando valiosos serviços às suas companheiras de sexo. Coitadas!
As mulheres brasileiras são 20% dos chefes de família, são 48% da força produtiva do país e enfrentam questões bem mais sérias e relevantes do que o trinômio comida-artesanato-fofoca! Enfrentam a dupla jornada de trabalho. Têm que equilibrar o orçamento doméstico, matando um leão por dia nos bancos, nos supermercados. Têm que discutir com as escolas de seus filhos. Têm que educar esses filhos e lutam bravamente para afastá-los de tantas tentações modernas de maus caminhos. Têm TPM, crise de humor na menopausa. Têm que apoiar os maridos na sua luta cotidiana nas empresas. Têm que ser, elas próprias, bem sucedidas no mundo dos estudos e do trabalho. Têm que se deparar com seus próprios medos e angústias interiores. Têm que se proteger da violência urbana e, pior, da violência doméstica (1/4 das brasileiras são vítimas da violência dentro de casa). Têm que se preocupar com a saúde da família, dar assistência os velhinhos da casa, enfrentar as filas dos serviços públicos. Têm que queimar as pestanas para escolher candidatos dignos em quem votar nas eleições. E ainda têm que ter orgasmo!!
A maioria delas não têm tempo para pratos elaborados e calóricos, querem fazer tudo prático, congelados e microondas. A maioria não têm tempo nem para se dedicar como gostaria aos filhos, para ouvi-los, vê-los crescer, orientar sua evolução… como vai achar tempo para ficar fazendo massinhas e caixinhas decoradas e quadrinhos para a parede?
Um espaço tão importante a abrangente quanto à TV poderia ser muito mais bem usado discutindo o que realmente é relevante no cotidiano das mulheres. Levando ao ar, inclusive, profissionais sérios, que saibam realmente o que dizer, que estejam amparados por pesquisas e evidências científicas. Profissionais ligados às universidades, por exemplo, e não simplesmente eleitos para estar no ar porque têm grana e esperteza para contratar assessores de imprensa.
Mulher brasileira, corajosa, lutadora, heroína do dia-a-dia, quando será que a televisão vai te descobrir?
* Isabel Fomm Vasconcellos é produtora e apresentadora do Saúde Feminina (segunda a sexta, meio dia, na Rede Mulher de TV) e autora de vários livros, entre eles, “Sexo Sem Vergonha”, Soler Editora.