Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
Recebi um convite para a inauguração de um moderno instituto de beleza na Zona Norte de S.Paulo. O instituto se chama Maria Bonita. Nome curioso. Todas as mulheres são marias, na nossa cultura cristã. Todas as mulheres querem ser bonitas. E Maria Bonita é personagem da nossa história brasileira, mulher do povo, transformada em heroína (ou bandida, depende do ângulo pelo qual se analisa a história), a companheira de Lampião, uma espécie de Robin Hood desastrado do sertão, ele também herói para uns e bandido para outros.
Retratada duas vezes pelo cinema nacional, musa de centenas (ou seriam milhares?) de poemas da literatura de cordel, Maria Bonita, a verdadeira, era feia. As fotografias da época estão aí para provar. Aliás, não deveria mesmo ser muito fácil cultivar a beleza levando a vida de guerrilheira pelo sertão nordestino.
São muitos os pré requisitos atuais para se manter bela. Primeiro, é preciso nascer bela. Ou recorrer à cirurgia plástica. Depois, um verdadeiro arsenal de produtos cosméticos, nem sempre muito baratinhos. Além disso, é preciso levar uma vida relativamente tranqüila, porque nada menos belo do que um rosto tenso, vincado pelas preocupações, ou um corpo curvado pelo peso de uma vida difícil. É preciso ainda alimentar-se corretamente, manter os hormônios no lugar e praticar alguma ginástica regularmente para que os músculos não despenquem. A maquiagem ajuda muito e também um bom, e caro, cabeleireiro.
No entanto, os romancistas e os poetas do passado achavam as suas musas belíssimas, embora elas não tivessem todo o arsenal de produtos e recursos que temos hoje para tentar nos enquadrar nos atuais modelos de beleza. Dorival Caymmi, na canção Marina, dá uma bronca na musa, porque ela se pintou e dispara: “Você já é bonita com o que Deus lhe deu”. Dificilmente as Marinas dos anos 2000 concordariam com ele. Elas precisam de muito mais do que Deus lhes deu.
Beleza, nos entender dos pintores clássicos, eram aquelas mulheres gordíssimas, com uma proeminente barriga e ombros caídos (veja as musas de Botticelli em A Primavera).
Imaginemos, então, quão belas seriam as rainhas da nobreza européia entre os séculos XVI e XIX. Os dentes apodreciam, a pele – sem os modernos cosméticos e com uma alimentação quase sempre deficiente – enrugava e elas tinham que sufocar suas celulites e gordurinhas dentro de primitivas e apertadas cintas. Não é de admirar que usassem armações nas saias e parecessem balões vestidos de sedas e brocados.
E Cleópatra, então? Que espécie de beleza poderia a rainha do Egito ter, há dois milênios? Apesar dos famosos banhos de leite de cabra e da henna, a beleza que conquistou Julio César e Marco Antônio deveria estar muito longe dos nossos padrões.
Por falar em muito longe, nem precisamos ir tão longe assim na história para entender que os conceitos de beleza feminina mudam muito com o passar do tempo.
Basta lembrar de Mae West, a primeira atriz hollywoodiana a ser considerada uma diva do sexo. Bem gorducha, com pernas grossas, quase obesa.
Marta Rocha, a eterna Miss Brasil, em 1954, perdeu o título de Miss Universo porque tinha duas polegadas a mais nos quadris. Era bem gorducha também para os padrões de hoje.
E as belezas dos anos cinqüenta e começo dos sessenta? Usavam, por penteado, os cabelos desfiados e armados e esculpidos em verdadeiros ninhos de pássaros, mantidos no lugar (e imundos!) às custas de um laquê grudento, mais parecendo goma arábica e que, em nada, se assemelharia aos nossos modernos sprays.
Mas, apesar de gorduchas ou desdentadas, as nossas avós inspiraram grandes paixões aos nossos avôs e foram, através dos tempos, consideradas belíssimas!
Pobres de nós, mulheres modernas, que temos como padrão de beleza as magérrimas modelos e atrizes, que ganham fortunas e podem gastar iguais fortunas nos cirurgiões plásticos, nas academias, nos melhores salões de beleza, usando cosméticos e medicamentos que custam, um potinho de nada, o equivalente a muitos salários mensais das pobres mulheres comuns!
Ainda bem que só nós, as fêmeas, é que estamos tão preocupadas assim com toda esta ditadura moderna da beleza! Porque os homens – ah, os homens – eles são capazes de enxergar sensualidade onde nós só vemos celulite.
Para os lampiões da vida, em todas nós, dentro ou fora do padrão, pode morar uma maria bonita.
* Isabel Fomm Vasconcellos é apresentadora e produtora do Saúde Feminina (segunda a sexta, meio dia, na Rede Mulher de TV) e autora de vários livros.
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