Por: Carla Nechar de Queiroz*
A questão colocada acima não pode ser respondida com 100% de certeza. Existem vários estudos que nos dão uma boa idéia de como isto é alcançado mas, no entanto, não existe ainda um estudo que possa comprovar aquilo que aceitamos como verdadeiro: para falar, as crianças primeiro ouvem, imitam e depois, com o seu desenvolvimento global, aprendem a fazer associações até que falem coisas que “nunca ouviram antes”.
Este desenvolvimento auditivo tem início no período da gestação, pois o bebê crescendo na barriga já é capaz de ouvir a partir da 20a semana de gravidez, ou no terceiro trimestre. Por isso é importante que os futuros pais conversem com seu bebê. É claro que este “ouvir” é diferente do ouvir que nós conhecemos mas, ao nascimento, o bebê já discrimina a voz da sua mãe da voz de outras mulheres. Quando as mães vão alimentar os bebês e ficam “conversando” com eles, muitas vezes elas podem jurar que os bebês querem responder ou que estão conversando e, quando eles fazem algum barulho que, por acaso, encaixa-se direitinho no diálogo, como se fosse uma resposta, elas ficam orgulhosas de seus filhos já serem capazes de responder às perguntas feitas.
Na verdade, este comportamento das mães é o que chamamos de “estímulo”. Elas oferecem a sua fala para que a criança a perceba e, além das palavras em si , as crianças vão perceber também que a boca mexe, a cabeça mexe, que os sons têm características diferentes, eles têm contornos diferentes , às vezes subindo ( “Olha a boquinha dele! Que coisinha mais linda!!”) e às vezes descendo ( “Ah. não chora não. Mamãe já está aqui…”). Quando a criança produz aquele som que a mãe jura que é uma resposta, o que realmente acontece é que o ar passa pelos órgãos que produzem fala, havendo assim um barulho. Ou seja, para eu falar, para que haja som, o ar que estou expirando (colocando para fora) deve passar por certas estruturas e estas, movimentadas de forma adequada, produzem o som que eu quero.
O bebê não sabe ainda o que ele quer “dizer”, não existe intenção e aquele ruído que ouvimos não pode ser reconhecido como um som da nossa fala. Mas, o bebê percebe que, com o tempo, quando ele faz este ruído as pessoas em volta lhe dão mais atenção, pessoas aparecem quando ele chora, bocas se movimentam mais rápido à sua frente. Este barulho que ele faz é poderoso!!
Daí ela resolve começar a exercitar esta recém descoberta capacidade. Ela vai experimentar várias coisas desde abrir e fechar bem a boca, emitindo sons de vogais que vão do “a” ao “u”, de vários tamanhos diferentes, uns bem longos outros mais curtos, e vão até emitir o que para nós parecem ser combinações de consoantes e vogais. Na verdade, muitos serão sons que nem existem na nossa língua. Ouviremos nesta fase muitos sons posteriores parecidos com o nosso “gugu” mas um pouco diferentes. É claro que alguns dos sons que vamos ouvir nesta época são sim parte da nossa língua e, como a criança os está ouvindo com maior frequência, ela vai como que “selecionando” aqueles sons que ela vai exercitar. Este comportamento pode ser observado por volta dos 4 meses, e na maioria das vezes ele ocorre quando a criança está sozinha no berço. As crianças nascem com a capacidade de aprender qualquer língua, e é o meio-ambiente através da estimulação que vai determinar a língua que a criança vai falar. Se, desde o nascimento, a criança for exposta a duas línguas diferentes, ela deverá aprender ambas com a mesma facilidade desde que ambas sejam ouvidas com a mesma frequência.
Tambem percebida com grande rapidez, é a diferença dos contornos da nossa fala, o que chamamos de “entonação” . Muitas vezes, é a entonação que diferencia uma afirmação de uma pergunta e vice-versa. Experimente repetir a seguinte frase, primeiro como uma pergunta e depois como uma afirmação. “João saiu.” Quando se faz a pergunta, o contorno da sua fala, sobe. Já na afirmação, o contorno praticamente não existe, sendo uma fala direta, sem sobes e desces. Bem, um bebê de 8 meses já é capaz de fazer este tipo de sobe e desce com os barulhos que ele faz. Cada vez mais, as emissões da criança estão ficando parecidas com a fala que ela ouve: os sons já estão mais selecionados e os contornos dão a sensação de uma conversa.
É lógico que este processo vai se complicando com o tempo mas uma coisa deve ficar clara desde agora: a criança para aprender a falar precisa de estimulação adequada e de estar com o corpo pronto e funcionando adequadamente.
Bem, vamos continuar com o nosso raciocínio. A nossa criança que é fisicamente e funcionalmente apta a aprender a falar está com aproximadamente 5-6 meses de vida quando começar a usar o que nós adultos costumamos considerar fala : sílabas, inicialmente isoladas e depois em combinações, de sons que reconhecemos na nossa língua. Os pais costumam ficar agitadíssimos com os primeiros “mas” que a criança produz e atestam: “O meu filho já está falando mamãe!!”. A criança agora vai “treinar” apenas os sons da língua à qual ela está exposta, fazendo primeiros sílabas isoladas e depois repetidas, por minutos e minutos, num jogo com várias vogais. Isto é conhecido como “balbucio” e, até mesmo as crianças deficientes auditivas passam por esta fase que, até este momento, é reflexa. Todas as crianças irão passar por tudo isso.
A partir desta fase, ao redor dos 6-7 meses de vida, a estimulação do meio-ambiente vai ser PRIMORDIAL para um desenvolvimento adequado da fala. È nessa fase que as mães conversam sem parar com seus bebês, eles “respondem”.
* Carla Nechar de Queiroz é Fonoaudióloga chefe do Serviço de Fonoaudiologia da SPO
Formada pela EPM (atual UNIFESP) – Mestrado na Illionois State University – CRFa. 5263