Por: Carla Nechar de Queiroz*
Quando um filho nasce, sempre acreditamos que, se ele está fisicamente bem, tudo está perfeito. Ou seja, se ele tem as duas pernas e todos os dedos do pé, ele vai andar um dia sem a menor dificuldade. No que se refere à audição, este tipo de raciocínio não pode ser feito. Não é só porque o bebê tem as duas orelhas, que tudo lá dentro está, também, em perfeitas condições. No entanto, não há a necessidade de grande preocupação uma vez que o número de crianças com problemas auditivos não é tão grande. Nem por isso devemos deixar de pensar em detectar as dificuldades auditivas o mais rápido possível pois as consequências de um problemas auditivo podem variar de mínimos à muito sérios, dependendo do tipo de problema que o bebê apresente.
Antes de tratarmos especificamente dos problemas auditivos, vou tentar explicar de forma simples e concisa como é que o som chega até o nosso cérebro e sabemos que ouvimos. Esta será uma explicação simplista portanto quaisquer dúvidas, escrevam!!
O sistema auditivo é dividido em três partes: a orelha externa, a média e a interna. A orelha externa capta os estímulos sonoros. A bastante conhecida membrana timpanica é o limite entre estas duas partes do sistema. A orelha média é como que uma caixinha, cujas paredes são de osso, e tem duas paredes móveis: a da membrana timpanica e a tuba auditiva, aquela pela qual pode haver entrada de leite para a orelha e consequente otite. Nesta parte do sistema ocorre o início do processo de transdução, ou seja, mudança do tipo de energia, de sonora, para mecânica. Depois, na orelha interna, este processo continua e a energia mecânica vai ser transduzida em energia hidráulica, mecânica , química e finalmente elétrica , na forma de impulsos nervosos. A orelha interna é uma estrutura em forma de caracol, repleto de um líquido e com cílios que vão, em última instância, ser responsáveis pelo início da transmissão dos impulsos elétricos, ou seja, pela transmissão dos impulsos nervosos. Estes impulsos nervosos seguem um caminho já conhecido até o cérebro. Mas, uma vez que estes impulsos chegam ao cérebro, não fomos capazes, ainda, de descobrir como são interpretados e “reconhecidos”, “entendidos”.
Esta explicação foi bastante básica, para que se tenha uma idéia de como é complicado ouvir. E simplesmente saber que não se ouve, não é suficiente pois cada área do sistema tem uma função e requer abordagens específicas. Portanto “não ouvir” pode ser uma rolha de cera no meato que, com sua retirada, ouve-se novamente, ou pode ser uma coisa mais complicada como uma má-formação na orelha média que pode ser resolvida cirurgicamente, ou ainda a ausência dos cílios da orelha interna, que por enquanto não pode ser curado mas pode ser tratado.
Nós, enquanto adultos, sabemos que os outros estão ouvindo devido à mudanças no comportamento: se ouvimos o telefone, vamos atendê-lo; se pedimos algo a alguém, esta pessoa se vira e nos olha antes de trazer o que pedimos. Estes são comportamentos que nos revelam que a pessoa ouve. Este é o aspecto de qualidade da audição, eu não tenho uma medida do quanto a pessoa ouve, mas eu sei que o que ela ouve está sendo utilizado de maneira eficiente. Já, no que se refere à quantidade da audição, ou seja, o quanto se ouve, é necessário uma avaliação audiológica. Este é o nome dado ao exame de audição. A avaliação audiológica deveria ser realizada SEMPRE que se tenha dúvida da qualidade da audição de alguém. Hoje em dia já se tornou possível avaliar a audição de um bebê de poucos dias de vida e muitas maternidades dispõem deste serviço. Isto, no entanto, não deve ser percebido como uma garantia para o resto da vida: ela poderá vir a ter uma otite, por exemplo. E uma otite mal tratada, que demore para ser tratada, ou que ocorra de forma recorrente, que vai e volta várias vezes, pode causar outros tipos de complicações, que tenha ramificações auditivas, de fala e de linguagem.
Para quem não conhece, a avaliação audiológica completa tem várias partes: a conversa com o fonoaudiólogo inicia o processo, depois vem a parte da cabine, na qual será verificado o mínimo que a pessoa ouve, em uma série de frequências de som, depois temos que repetir umas palavras, o que às vezes fica difícil. Esta parte do teste é para verificar qual é o mínimo de som que a pessoa necessita para entender o que lhe é falado. Outro teste é a impedânciometria. É o teste que avalia o funcionamento da orelha média, para verificar se há líquido lá dentro ou não, além de outras coisas.
Com crianças pequenas é possível realizar a avaliação, uma vez que a criança coopere. Algumas crianças de 4 anos podem ser capazes de completar a testagem. Tanto as crianças quanto os adultos participam ativamente da testagem e se eles não seguem as instruções, suas respostas muitas vezes não podem ser considerados corretas. Um bom profissional será capaz de perceber quando isto ocorrer.
O nível de audição é medido em cada orelha separadamente, em decibel, com o símbolo de dB. Devemos ouvir, em média, em um nível de 10 dB, podendo verificarmos níveis de audição em 0 dB e até -5 dB em cada orelha. Esta sim é uma audição boa. Valores mais elevados, 50 dB, 90 dB por exemplo, indicam uma audição pior naquela orelha. Portanto, não existe “50% desta orelha e 60% da outra”, isto para um profissional sério não significa nada.
Acredito que esta explicação seja necessária para se falar depois dos níveis de perda de audição e das características de cada nível, pois são bastante distintas. Agradeço a paciência e o interesse e espero que estes conhecimentos possam ser úteis no seu dia-a-dia.
Até a próxima!
* Carla Nechar de Queiroz é Fonoaudióloga chefe do Serviço de Fonoaudiologia da SPO
Formada pela EPM (atual UNIFESP) – Mestrado na Illionois State University – CRFa. 5263