Por: Carla Nechar de Queiroz*
Como disse da última vez, o ideal do nível de audição de uma pessoa, relativamente jovem ( 20 anos, por exemplo) é uma média de 5 dB a 10 dB em cada orelha. Isto que dizer exatamente o quê? Isto significa que a pessoa é capaz de ouvir sons com 10 dB de intensidade, em média (este termo, “em média” é sempre usado por que tem que ser calculada a média de algumas frequências testadas). A fala, em níveis normais, fica geralmente em torno de 60 dB. Por aí podemos ter uma idéia do que é ter um nível de audição de 90 dB: significa que, para ouvir de maneira adequada, a pessoa necessita de um som com a intensidade de 90 dB. É por isso que muitas vezes quando temos um parente mais idoso em casa, a televisão está sempre no volume mais alto e, muitas vezes, temos que nos retirar da sala por não agüentar o barulho.
Assim como a visão se deteriora com o passar dos anos, o mesmo ocorre com a audição. Uma criança pequena deve ter níveis de audição menores do que um idoso. Se acompanharmos uma mesma pessoa durante toda a sua vida, isto poderia ser verificado. Por isso se preocupar hoje com o barulho é uma medida de prevenção. É por isso que existem campanhas contra a poluição sonora, pois durante o dia temos muitos sons que “ferem” nossas orelhas: buzinas, britadeiras, motores de outros carros, etc…
Já dentro da barriga o bebê é capaz de ouvir. Mas, é claro que quando ele nasce, o som chega aos seus ouvidos de uma forma muito mais clara e intensa. Desde o nascimento, o recém-nascido apresenta comportamentos de reação ao som que são chamadas de reflexos. O bebê vai se assustar, ou piscar um pouco mais forte ao ouvir um som forte. Com o seu crescimento, ele vai sendo capaz de sentar, de esticar os braços e de alcançar o pé…rolar na cama e fazer todas aquelas coisinhas tão encantadoras. Quando estes atos motores acontecerem, o comportamento da criança também adquire novos rumos. Sentada, agora ela vai poder procurar de onde veio o som, mesmo que ele não seja assim TÃO alto, basta ser diferente. Isto pode ser observado mesmo quando a criança for pequena: uma voz um pouco diferente que a criança ouça enquanto está mamando, muitas vezes a faz parar de mamar.
É claro que num primeiro momento, a criança só será capaz de procurar os sons que estejam na altura dos olhos, pois ela ainda está descobrindo que existe um “atrás” e um “embaixo”. Isso sem mencionar o “em cima” que vai demorar um pouco mais para ela descobrir. O comportamento auditivo está intimamente ligado ao desenvolvimento motor da criança e permite o desenvolvimento das noções de espaço. Isto é muito importante e por isso vou repetir em outras palavras.
Não adianta querer que seu filho de 1 ½ ano olhe para cima ao ouvir um avião. Ele é surdo? NÃO!!! Se ele tentar olhar para cima pode ser que se desequilibre e caia. Além disso, ele vai ter o que, talvez um metro de altura… o em cima dele é bastante diferente do seu, que tem 170 cm. O em cima dele talvez seja o em cima da mesa, ou da cadeira… o espaço está sendo conquistado e ele não tem noção de que existe todo um enorme espaço que está fora do corpo dele. Só agora ele está sendo capaz de se movimentar, de ter um pouco mais de controle sobre seu próprio corpo. Só agora ele vai descobrir o mundo lá fora. Nessa fase as mães tem ataques pois as criança não param de andar e, é claro, de cair. Elas passam raspando nos cantos das mesas, se enfiam nos lugares mais impróprios, enfiam seus dedinhos embaixo de objetos muito pesados e depois choram. Essa criança não está fazendo nada de anormal. Ela está descobrindo o mundo e as possibilidades do seu corpo. E os pais que se segurem pois sem este tipo de “arte” a criança não aprende. Ela cresce, mas não aprende.
Com toda essas travessuras, as mães só fazem gritar e andar atrás das crianças dizendo: “Não pode colocar a mão aí.” A criança olha para trás, muitas vezes se vira (para não cair) e olha para cima, nos olhos da mãe. O que a criança esta fazendo, auditivamente, é localizar a fonte sonora. Ela ouviu um som que ela sabe que veio daqui. Ela procurou o som. Quando ela for um pouco maior, ela já vai ser capaz de virar-se e olhar diretamente para cima e para trás. Ela já sabe, agora, que a fonte do som está acima e atrás. Ela está adquirindo a noção de altura, sem é claro que saiba dar o nome e definir o que é altura.
Ela faz a mesma coisa quando passa por aquela fase de jogar um brinquedo no chão. A criança geralmente fica olhando o brinquedo cair e, mesmo que você o coloque de volta, ela vai tornar a jogá-lo umas 300 vezes até que as pessoas percam a paciência, não peguem mais o brinquedo e a criança chore. O que esta criança está fazendo é aprender sobre altura, distância, profundidade. Quanto tempo demora para eu ouvir este som? E se eu jogar uma outra coisa, vai demorar o mesmo tempo? Ela vai aprender também que em determinadas superfícies o som é um, em outras é outro, mesmo que ela jogue o mesmo brinquedo. Viu como essas brincadeiras são importantes para o aprendizado da criança?
Outra coisa que tem que ser ensinada à criança: “O som serve de sinal de atenção, muitas vezes ele me avisa de que algo está prestes a acontecer. Preste atenção em sons muito fortes.” Temos que ensinar isso às crianças para que, quando daqui a muitos anos elas forem aprender a atravessar a rua sozinhas (um dos muitos pesadelos dos pais), elas saibam o que significa uma sirene e uma buzina. Eu posso não ver a polícia vindo mas eu sei que ela logo vai passar aqui por que eu ouço a sirene.
Espero que esta visão do desenvolvimento do comportamento auditivo mais especificamente da localização, tenha sido útil e possa acalmar algumas mães impacientes. Seu filho está crescendo. Isso não é bom??
Até a próxima.
* Carla Nechar de Queiroz é Fonoaudióloga chefe do Serviço de Fonoaudiologia da SPO
Formada pela EPM (atual UNIFESP) – Mestrado na Illionois State University – CRFa. 5263