Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
Olho desanimada para a tela, em branco, do computador.
Lembro-me de quantas vezes, nesta mesma época do ano, olhei desanimada para a folha, em branco, das minhas velhas máquinas de escrever.
É a semana do oito de março, Dia Internacional da Mulher.
Como mulher, brasileira, cristã e ocidental, existem duas datas em que não me permito telas ou papéis em branco. Sempre escrevo uma história de natal em dezembro e sempre escrevo sobre o Dia Internacional da Mulher.
Mas, este último, anda me deixando muito desanimada, todos os anos.
Já sei o que vem por aí: verei, na mídia, todo o tipo de babaquice exaltando a mulher e querendo vender alguma coisa.
Lá vem aquela conversa mole de publicitários mal informados sobre “a rainha do lar”, “a mãe que ama incondicionalmente”, mulheres comparadas às flores, aos perfumes e a tudo mais que a cultura de almanaque identifica com sentimentos nobres e positivos.
Literalmente, enche a paciência.
É preciso lembrar que nós mulheres somos apenas seres humanos, com os mesmos anseios, defeitos, idiossincrasias, esperanças, intolerâncias, conflitos, etc., que caracterizam os humanos, sejam de que sexo sejam.
É preciso lembrar também que o fato de simplesmente ter nascido mulher não torna ninguém semelhantes às flores ou capaz de amar incondicionalmente. Existem mulheres bandidas, salafrárias, desonestas, sujas, nojentas.
Existem as mães que abandonam seus filhos na lata de lixo mais próxima ou que tentam afogá-los, ainda bebês, nas águas fétidas da lagoa da Pampulha.
Ser mulher de verdade não é ser a Amélia da canção, não é ser meiguinha, docinha, com as perninhas fechadinhas, só se permitindo abri-las para parir a continuidade da espécie de algum macho (que, nem sempre, também, é flor que se cheire).
É muito difícil, para as mulheres contemporâneas, assumir a sua própria discriminação. Com alguns direitos conquistados efetivamente e outros direitos conquistados apenas em teoria ou no papel, as mulheres de hoje em dia preferem fechar os olhos às muitas injustiças sociais das quais ainda são vítimas.
E dá-lhe florzinha no 8 de março! Presentinho, risinho falso, endeusamento do papel tradicional – e submisso, e inferior! – que a mulher ocupou (e em tantos países do planeta ainda ocupa!) no mundo…
Ora, o 8 de março é uma data política, não comercial.
O 8 de março é um dia de luta.
A data foi proposta no Congresso Mundial dos Socialistas, em 1910, pela feminista Clara Zetkin. E se reporta ao 8 de março de 1857 quando 129 operárias foram queimadas vivas numa tecelagem em Nova York, EUA, durante uma greve pela redução da jornada de trabalho que era, na época, de 14 horas diárias.
É claro que há muitíssimos eventos políticos que marcam o nosso atual Dia Internacional da Mulher. As mulheres brasileiras organizadas realizam palestras, seminários, encontros e passeatas por todo o país, sempre com o objetivo de lembrar que ainda há muito porque lutar para que as mulheres alcancem realmente a plena igualdade social.
Mas a nossa mídia veicula anúncios ridículos, que reduzem a mulher moderna ao estereótipo da mulher antiga.
O 8 de março é o dia da discriminação da mulher.
Fossemos, nós mulheres, cidadãs iguais aos cidadãos machos e ninguém precisaria de um Dia Internacional da Mulher.
A despeito dos muitos direitos que as nossas antepassadas, com muita luta e sacrifício pessoal, conquistaram para nós, mulheres ocidentais modernas, a sociedade ainda nos vê como inferiores, ainda paga salários menores para fêmeas que ocupam a mesma função que os machos, ainda nos nega o aparelhamento social para honrar a maternidade (como a ausência de creches nas empresas, driblando a lei), ainda nos vê como intelectualmente inferiores, ainda nos nega acesso aos cargos de poder (uma mulher, para ser diretora de empresa ou ocupar uma cadeira universitária ou um alto cargo político tem que ser – e todas sabemos disso – mil vezes melhor que todos os homens em torno) e, pior, ainda nos compara às florzinhas no nosso Dia Internacional.
Não somos florzinhas delicadas, nem mãezinhas dedicadas.
Somos seres humanos que, a despeito da inferiorização que a sociedade lhes impõem, conseguem, ao mesmo tempo, criar filhos, levar o lar com pulso de ferro, trazer dinheiro pra casa no final do mês, e ainda se enfeitar e se embonecar para agradar os nossos machos.
Somos seres humanos admiráveis, sim.
Mas temos a mesmíssima capacidade de realização, tanto para o bem quanto para o mal.
Somos mães. Somos profissionais. Somos guerreiras do cotidiano.
E já estamos meio cansadas de ser comparadas à delicadeza das flores.
Delicada é a vovozinha.
Pise no nosso calo e nós lhe daremos um soco na cara.
Morra o 8 de março!
*Isabel Fomm Vasconcellos é apresentadora e produtora do Saúde Feminina (segunda a sexta, meio dia, na Rede Mulher de TV) e autora de vários livros.
www.isabelvasconcellos.com.br