Por: Carla Nechar de Queiroz*
Muito bem, depois que tratamos um pouco do assunto da audição, eu acho que todos já estão preparados para a grande notícia: DPAC – Desordem do Processamento Auditivo Central. Nossa, que palavrão!! Vamos explorar cada uma dessas palavras e tentar entender esse nome feio, para que vocês não tenham medo dele, entendam e ajudem quem tem essa coisa com esse nome horroroso.
Vamos iniciar pela palavra desordem. Todos sabem o que é uma desordem, não é mesmo? É uma bagunça, quando tudo está fora do lugar, nada está certo. Bem, é isso mesmo. A pessoa com DPAC tem coisas que não estão certas. Mas, especificamente, o que não está certo? O processamento. Processamento é o nome dado coletivamente aos passos que são dados para a análise da informação, para se entender. Mas o que é que se quer entender? O que é ouvido (aí está o auditivo do nosso palavrão). E o tal do central, o que quer dizer isso? Bem, o termo central, assim como seu oposto (periférico) são termos utilizados para estruturas do Sistema Nervoso. O seja, o que é central é relativo ao cérebro (de uma maneira simplista, são as estruturas que carregamos na cabeça , a qual tomamos tanto cuidado para não bater!!). Periférico é referente aos nervos, terminações nervosas que estão localizadas fora, ou melhor, longe deste centro que manda as informações para todo o corpo.
Muito bom, agora que já vimos os termos do nosso palavrão separadamente, vamos tentar explicar em palavras simples o que ele quer dizer. Quem tem DPAC tem uma dificuldade em “entender” o que lhe é falado. Ah…, então esta pessoa não ouve!!! NÃO. NÃO. NÃO. Aí é que está a grande pegadinha deste palavrão….processamento. Ao ouvir a fala esta pessoa tem dificuldade para processar o que foi dito, ou seja, ela talvez não consiga quebrá-la em pedaços menores ou talvez juntar um significado ao que foi ouvido….e isso é feito lá no cérebro, na região central do nosso sistema nervoso.
Portanto, temos que lembrar que “escutar” não é nem nunca foi “ouvir” e “ouvir” não garante um “entender”. Eu posso ouvir alguém falando chinês, posso reconhecer alguns sons e até tentar repetir. Mas será que isso me faz entender o que está sendo falado? E, por não entender, eu sou agora chamado de “surdo”?!? Eu acho que não. Mas o que acontece é que algumas pessoas tem dificuldade de entender a própria língua, aquela que é falada dentro de casa, o português.
É claro que as pessoas que têm qualquer tipo de perda auditiva vão ter uma dificuldade maior para entender mas este nome ( DPAC) não é usado para elas. Assim sendo, as pessoas que têm DPAC necessitam de uma audição normal. Se eu fizer uma avaliação audiológica, os resultados têm que ser normal ou no mínimo, com uma perdas muito pequena que não justifique a dificuldade de entender.
Então agora sabemos que essas pessoas ouvem bem mas entendem mal. Como é que eu vou verificar se elas entendem ou não? Existe uma bateria de testes conhecida como “avaliação do processamento auditivo central”, que tem testes gravados com barulho, para ver se a pessoa consegue ouvir em condições desfavoráveis; alguns testes que falam metade da palavra em uma orelha e a outra metade na outra e a pessoa tem que juntar as duas metades e dizer o que ouvi; palavras que são faladas ao mesmo tempo e a pessoa diz o que ouviu, etc… Esses testes foram desenvolvidos aqui no Brasil ou adaptados de outros já estudados em outros países e sabemos que conseguem separar as pessoas que “processam bem”, e portanto entendem, daqueles que não conseguem.
Muito bem agora já sabemos como verificar se a pessoa entende ou não. Mas como devemos fazer esta testagem? Será que temos que testar todo mundo que, alguma vez na vida deixou de ouvir um pedaço da instrução que estava recebendo? Ou que, talvez, não consiga se lembrar da data em que seus amigos marcaram a próxima reunião, e que acabou de apagar a mensagem na secretária eletrônica!!! Ou quando você conhece alguém que se chama Marli mas entendeu Maria…. o que será que a pessoa com DPAC faz, que chama a nossa atenção para esta dificuldade de entender? Bem, ela faz exatamente isso…mas o tempo todo, sempre. Ela não consegue nunca lembrar-se das coisas caso não estejam escritas; se você não se apresente duas ou três vezes, ela não vai lembrar do seu nome, mesmo que passem uma noite inteira conversando; ela também não vai conseguir seguir instruções muito longas, que exijam muita atenção. Ela sempre pede para que você repita o que foi dito e às vezes diz que não vai conseguir achar uma bola quando o que você pediu na verdade foi uma cola…..
Você conhece alguém assim? Você por algum acaso chama essa pessoa de distraída, bagunceira, de mal educada, de burra talvez. E se essa pessoa for uma criança? E se for seu filho?
Vamos tratar disso da próxima vez. Aguardo vocês.
Até a próxima.
* Carla Nechar de Queiroz é Fonoaudióloga chefe do Serviço de Fonoaudiologia da SPO
Formada pela EPM (atual UNIFESP) – Mestrado na Illionois State University – CRFa. 5263