Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
Uma grande dificuldade para se avançar nas conquistas com relação à condição das mulheres na sociedade, são algumas mulheres. Parece contraditório, mas é verdade.
Isso porque nem todas as mulheres têm coragem de admitir a sua própria discriminação social. Muitas delas relutam em se ver inferiores, não querem se ver assim, enquanto que a sociedade ainda inferioriza sim a mulher, apesar dos muitos direitos recém conquistados.
Imagino que as nossas avós sufragistas, quando lutavam bravamente pelo direito de votar, tenham encontrado esta mesma dificuldade através de grupos de mulheres que acreditavam que estava certo a mulher não votar, que política era mesmo coisa apenas para homens.
Hoje, nós, mulheres e homens, que temos consciência dos muitos efeitos sociais e culturais que milênios de discriminação feminina acabaram exercendo sobre grande parte das mulheres, nos deparamos com reações iradas, críticas, xingamentos, de algumas que não conseguem admitir que a história de seu sexo acabou por castrá-las, não só em direitos sociais mas também com relação ao conhecimento e à intimidade com seus próprios corpos.
É comum ver mulheres inteligentes dizendo horrorizadas: “eu não sou feminista”, como se ser feminista significasse ser menos mulher ou ser bandida ou maldita. No entanto, essas mesmas mulheres usufruem hoje de uma série de direitos na sociedade e na família que não teriam se não fosse a luta feminista. Sim, porque foram as feministas, e apenas elas, que conquistaram para nós:
– o direito de votar (começo do século XX);
– o direito ao trabalho e à independência econômica ( segunda metade do século XX);
– o direito ao prazer sexual (anos 1960);
– o direito à posse de imóveis e à igualdade dentro do casamento (anos 1980);
– o direito à contracepção (do começo do século XX aos anos 1970).
Sem as lutas feministas nós não teríamos nada disso. Seríamos as mesmas escravas que foram as nossas avós, estaríamos condenadas ou à prostituição ou à humilhante condição de subordinação aos nossos maridos. Não aprenderíamos a ler e a escrever. Não seríamos cidadãs.
As orgulhosas de sua ignorância histórica, no entanto, continuam a ajudar a denegrir a imagem da luta feminista, fazendo o jogo dos machistas que espalharam a imagem da feminista feia, pouco feminina e mal amada.
Alguns dos maiores nomes do feminismo, na história, foram de mulheres que, ironicamente, eram muito bonitas e bem casadas, como Emmeline Pankhurst ou Margaret Sanger.
Quando se fala em corpo, então, a coisa é pior ainda. As famosas “dores” que as mulheres sentem quando se submetem a exames e a procedimentos ginecológicos, são muito mais “dores culturais” do que físicas. São resultado de sua ansiedade e de seu medo da “invasão” de seu corpo. Tensa, com medo, é evidente que se sente mais dor. E muitas mulheres trazem em si, em seu inconsciente coletivo, a vergonha do próprio corpo, a crença – difundida por milênios na sociedade ocidental – de que o corpo da mulher é o instrumento do mal, que é depositário do pecado, que os órgãos sexuais são sujos, etc. etc.
Mas, apesar da oposição de grande parte do seu próprio sexo, muitíssimas mulheres, cada vez mais mulheres, estão lutando pela plena igualdade social.
Parece mesmo – e a história da humanidade está cheia de exemplos disso – que aqueles que lutam por uma melhor compreensão da vida e das relações humanas, aqueles que estão um passo à frente dos preconceitos de sua própria época, são os primeiros a ser apedrejados.
Foi Cristo quem disse: “quem não tiver pecado que atire a primeira pedra”.
A despeito daquelas que, com orgulho ignorante, se negam a admitir a sua própria condição de (ainda) discriminadas, nós mulheres do século XXI, conquistaremos, para as nossas filhas e netas, a igualdade social e política.
Na diferença, é claro.
* Isabel Fomm Vasconcellos é produtora e apresentadora do Saúde Feminina (segunda a sexta, na Rede Mulher de TV) e autora de vários livros.
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