Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
Maria caminhava pela 25 de março, no meio da multidão ansiosa que fazia compras de Natal. Ela não podia entender o porque daquele papel que trazia na bolsa, a bolsa junto ao corpo, o papel parecendo queimar-lhe a pele, através do couro (courvin) da bolsa. Ali, naquele pedaço de papel, uma sentença cruel: gravidez. Era o resultado do teste que o doutor, lá no posto de saúde, pedira. Grávida! Mas como, se ela tinha apenas 15 anos e ainda era virgem?
– Às vezes, acontece – explicara o médico – Se o seu namorado ejaculou, mesmo que não dentro de sua vagina, mas se estava próximo, às vezes acontece.
Maria das Dores caminhava como uma sonâmbula. Sim, o namorado ejaculara. Mas não perto. Agora ela seria mais uma adolescente grávida, a engordar as estatísticas. Era uma injustiça! Afinal, ela nem descobrira a alegria do sexo e já era mais uma grávida! E, pior, o namorado sumira no mundo. Namorado? Talvez nem pudesse chama-lo assim, afinal só tinham “ficado”, algumas vezes, naquelas baladas loucas, com música muito alta e excitante, com muito fumo na cabeça, misturado a muito álcool. E agora? Como enfrentar a família? E na escola, como seria, com aquela barriga crescendo? Se tivesse algum dinheiro, certamente procuraria se livrar daquela gravidez indesejada. Mas era preciso muito mais dinheiro do que ela poderia conseguir. Poderia tomar aqueles comprimidos clandestinos. Ou mesmo procurar uma clínica escusa. Não seria difícil. Mas como pagar a conta de qualquer uma dessas opções?
Maria caminhava apressada, ansiosa para encontrar Glorinha, sua melhor amiga, que a esperava na estação do metrô. Trazia no peito, além da angústia dessa insuportável gravidez, a esperança de que a amiga pudesse, de alguma maneira, ajudá-la. Qualquer ajuda seria benvinda.
Poucos minutos depois, enfiada no trem com sua amiga Maria da Glória, explodiu em lágrimas, ante a impossibilidade da ajuda que lia nos olhos da amiga:
– Glorinha, como foi acontecer isso comigo? Justo eu, que nem transei ninguém, que continuo virgem. E ainda por cima não poderei mais realizar meus sonhos de estudar, arrumar um bom emprego, ser livre, rica, independente! Filhos, você sabe, nunca estiveram nos meus planos!
– Mas, das Dores, veja bem, um filho não vai necessariamente atrapalhar seus planos!
– Como não vai? – quase gritava ela – Eu só tenho 15 anos! Quando ele estiver com 5, eu estaria na faculdade. Mas não. Vou ter que cuidar dele. Isso sem contar a humilhação. Meus pais vão enlouquecer, Glorinha.
– Calma, calma. Não é bem assim. Você não é a primeira adolescente grávida do mundo. Tudo se ajeita.
– Ah, se eu tivesse dinheiro para abortar!
– Não diga isso, das Dores! Aborto é pecado. É matar uma vida.
– Que vida, Glorinha? É apenas um processo celular, uma extensão do meu corpo. Ainda não é vida.
– Como, com 3 meses? Claro que é vida!
– Mas eu não quero! Eu não quero essa vida!
Naquela noite, Maria das Dores sonhou que um anjo, muito lindo, todo brilhante, descia à terra para anunciar o nascimento de Jesus. E ela, Maria, a tudo assistia, perplexa, emocionada, encantada.
Acordou em êxtase, ainda impressionada com a beleza do sonho, onde havia músicas, uma estrela brilhante no céu e uma indescritível sensação de plenitude.
Engoliu o café e saiu correndo para o trabalho. Perdeu o ônibus e resolveu ir de metrô (é mais caro, mais que se dane). No quarteirão que separava o ponto de ônibus da estação do metrô, viu uma pequena porta com a inscrição: “ clínica ginecológica”. Sabe Deus porque, embora atrasada, resolveu entrar. Disse à moça que a atendeu:
– Eu estou grávida. Vocês poderiam dar um jeito?
– Podemos. Custa 250 reais.
Poxa! 250. Com o que ela tinha na poupança e mais o que recebera do décimo terceiro, não seria impossível.
No trabalho, disse ao chefe que teria que faltar no dia seguinte. Inventou que morrera-lhe a tia e ela precisava ir ao enterro.
No dia seguinte, véspera de Natal, mais um filho de Deus desceu pelo ralo da clínica.
*Isabel Fomm Vasconcellos é produtora e apresentadora do Saúde Feminina (segunda a sexta, ao vivo, 14h00 na Rede Mulher de TV e Rede Família) e autora do livro “A Menstruação e Seus Mitos”, Ed. Mercuryo.