Por: Isabel Fomm de Vasconcellos*
No famoso filme “Dança Com Os Lobos”, Kevin Costner é um soldado que, ferido em batalha, está para ter a sua perna amputada. Mas realiza uma proeza, cai nas boas graças de um general. Aí então passa a ser tratado pelo médico do general. E não perde a perna.
Foi sempre assim. Ainda é assim. Os melhores recursos da Medicina estão a serviço dos ricos. Aos pobres, a amputação!
Nesta segunda feira, Claudia Collucci, jornalista de saúde da Folha de São Paulo, publica matéria sobre estudo na Universidade Federal do Rio de Janeiro. O estudo reafirma o que a gente, na prática, já sabe. O impressionante número de mais de 100 mil cirurgias de histerectomia (retirada de útero) em 2005, se deu na Rede Pública de saúde. Trocando em miúdos, falando português claro:as mulheres pobres são a maioria das mulheres que perdem o útero. Isto porque a nossa rede pública alega que procedimentos modernos como a embolização dos miomas uterinos “ainda não têm eficácia comprovada”. Ou porque dius de progesterona, que podem ajudar a resolver o problema, não estão disponíveis na rede pública, teoricamente porque são caros.
Uma médica maravilhosa, que nestes 20 anos de programas de TV, acabou se tornando minha amiga, a Dra. Tânia Santana, ginecologista e sexóloga, responsável pelo ambulatório de sexologia do Hospital Pérola Byington (um modelo no atendimento à saúde da mulher) costumava dizer, meio brincando, que alguns ginecologistas só queriam arrancar logo o útero das mulheres.
É verdade. Durante muito tempo, na Medicina, e até hoje, em alguns setores mais conservadores do meio médico, útero só servia para gerar filhos e fazer câncer. Então, arranca!
É besteira e mito. Mas muitas mulheres ainda acreditam que, perdendo o útero, serão menos mulheres, perderão a sexualidade, ficarão “ocas”. Isto não é verdade. E, em alguns casos, o melhor procedimento médico é de fato a retirada do útero. Mas não assim, gratuitamente, como se tem feito. E perder o útero, para a mulher, mesmo que ela já tenha gerado filhos, é sempre uma mutilação. É sempre traumatizante. E só deve ser feito em casos que, continuar com útero seja uma ameaça à vida da mulher.
Por isso, leitora, quando algum médico quiser arrancar o seu útero, vá correndo a outro médico. Ouça várias opiniões. Não aceite com facilidade.
Há muitos anos, alguém disse que o Brasil é a Belíndia, uma mistura de Bélgica e Índia.
Infelizmente, isso ainda é verdadeiro.
Alguns de nós vivem numa Bélgica, a maioria de nós vive numa Índia.
Na Bélgica, o personagem de Kevin Costner é bem tratado, mantém a sua perna. Na índia, teria a perna amputada.
Semana passada fui a um evento muito legal no MIS. Era a inauguração de uma exposição de fotos de mulheres que venceram o câncer de mama. Muito bom mesmo. Mostrava que é possível vencer o câncer, conservar a mama, retomar a vida, a sexualidade, a alegria. Até aí, tudo ótimo.
Mas o duro foi agüentar a palestra de algumas médicas que falavam da necessidade “do amor” no tratamento. Um sentimentalismo muito bobo, diante da realidade que vivemos. Acho ótimo que se discuta a necessidade de humanizar a relação entre o médico e o paciente. Mas falar em amor! Quando a maioria das mulheres que têm câncer de mama não têm acesso ao mais básico: o leito do hospital e os medicamentos (caríssimos) da quimioterapia. Mulheres pobres com câncer de mama são mandadas de volta para casa, em meio a muito sofrimento, quando apresentam alguma melhora, porque precisam desocupar o leito da saúde pública, dar lugar a quem está pior do que elas. Ficam em filas intermináveis para conseguir medicamentos que nem sempre estão disponíveis… E a responsabilidade por essa situação não é dos médicos. Eles gostariam, sim, de dar a elas o tratamento ideal. Mas não podem. Aí, algumas pessoas que vivem “na Bélgica” realizam um evento para falar “do amor” no tratamento do câncer, quando a maioria das vítimas do câncer e a maioria de seus médicos não têm sequer o básico…
É verdade que algumas instituições públicas oferecem aos pobres o que há de melhor na medicina, como o Incor, o Dante Pazzanese, o Pérola Byington, o Hospital das Clínicas e o Hospital do Câncer de Barretos.
Mas são exceções.
A grande maioria do nosso povo, que vive “na Índia”, ainda está sim, sujeito às soluções médicas mais fáceis e mais baratas. Por isso, tome cuidado. Ouça sempre várias opiniões médicas. Por mais custoso que isso seja. Não se submeta, nunca, a nenhuma cirurgia, na rede pública ou nos serviços privados, sem ouvir uma ou duas opiniões de médicos diferentes.
Nesta vida, seu corpo é seu maior patrimônio.
Depois de morto, seja solidário, doe seus órgãos. Morto, ninguém precisa de órgão nenhum. Mas, vivos, precisamos de todos!
*Isabel Fomm de Vasconcellos é apresentadora e produtora do Saúde Feminina (segunda a sexta, meio dia, na Rede Mulher de TV) e autora de vários livros.
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