Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
Até muito pouco tempo atrás, a única realização possível para as mulheres era o casamento e a consequente maternidade. Consideradas destituídas de mentalidade racional, emotivas e confusas, sua educação era frequentemente negligenciada pois afinal, quem precisaria de educação para cozinhar, cuidar da casa e das crianças? O único poder feminino estava na maternidade e nas questiúnculas domésticas, mesmo assim limitado pela autoridade máxima da célula familiar: o pai. Àquelas que ousavam revoltar-se contra esse destino submisso e subalterno, restava o caminho da prostituição. Se tivessem sorte e esperteza poderiam tornar-se, quem sabe, a dona do bordel e obter, assim, algum respeito e influência junto aos próceres da cidade.
Às meninas era ensinado que deveriam ser recatadas, assexuadas e submissas ao seu amo e senhor. Os rituais de namoro, noivado e casamento visavam a passagem da menina, da submissão ao pai à submissão ao marido.
Mulheres não tinham direito à voz, a nada. Não votavam, raramente estudavam mais do que as primeiras letras, sendo que a maioria era realmente analfabeta. Nenhuma chance de desenvolver qualquer habilidade além das prendas domésticas. E as leis de muitos países, inclusive do nosso, as equiparavam às crianças e aos selvagens.
Hoje, dito assim, esse quadro parece trágico. E, na verdade, era mesmo.
Toda essa dominação patriarcal começou com a sociedade judaico cristã que fêz, por exemplo, absoluta questão de queimar nas fogueiras da inquisição aquelas mulheres que fugissem, de alguma maneira, a esse padrão de submissão. O maior exemplo de repressão ao poder feminino, tanto político quanto religioso, está no domínio dos romanos sobre os celtas. As mulheres celtas viviam em igualdade com os homens e exerciam cargos de poder, em sua sociedade, sendo sacerdotisas e políticas. O domínio dos cristãos acabou com as tradições da sociedade dos druidas e das chamadas bruxas.
No final do século XVIII, Mary Wollstonecrfat, na Inglaterra, lançou as bases do que seria o pensamento feminista. Durante todo o século XIX, timidamente, algumas mulheres, no mundo ocidental, tentaram botar as manguinhas de fora e conseguir algum destaque em várias áreas da atividade humana, fosse na arte ou na ciência. Foram vítimas de deboche, descaso, mas algumas triunfaram e se impuseram.
Foi apenas no final do século XIX e no começo do século XX que o pensamento feminista se estruturou e começaram a aparecer mulheres que lutavam pelos direitos civis, entre eles o voto, e pelos direitos sociais para o seu sexo.
Até os anos sessenta a grande luta feminista era pelo voto (conquistado em 1920, pelas americanas, em 28 pelas inglesas, em 34 pelas brasileiras, em 45 pelas francesas e em 71, pelas suiças) e as sufragistas foram responsáveis por grandes escândalos sociais, sendo frequentemente presas e muitas vezes mortas.
Quando, na segunda metade do século XX, as mulheres começaram a sair de casa para trabalhar fora, começaram também a pensar em direito ao sexo, em salários iguais para funções iguais (coisa que até hoje não conquistaram) e, enfim, na plena igualdade de direitos na sociedade. Apareceram então grandes pensadoras feministas, de Simone de Beavouir, passando por Bety Friedan, até Camile Paglia. Todas elas, sem dúvida, seguindo caminhos abertos por feministas históricas como Alice Paul, Elizabeth Stanton e tantas outras.
Estou dizendo tudo isso porque, na verdade, o que quero mostrar é que até hoje em dia, em pleno século XXI, nós, mulheres ainda carregamos, em nossos inconscientes, toda essa história, aqui muito resumida, de dominação.
Até hoje sonhamos com um príncipe encantado que, além de nos amar, resolva para nós o problema da sobrevivência. Até hoje choramos nos casamentos (no nosso e no dos outros) como se estivessemos diante de alguma grande redenção. Até hoje perguntamos aos nossos companheiros em quem devemos votar. Até hoje nos deixamos embalar por babaquices românticas, colocando temerariamente o nosso destino e o nosso prazer nas mãos do primeiro macho a que julgamos amar e que nos aceite. Até hoje somos escravas de uma imagem corporal que nada tem a ver com a nossa herança genética e nos submetemos a infindáveis sacrifícios para atingir um corpo “ideal” inventado pela mídia e totalmente em desacordo com a nossa natureza. Até hoje aceitamos ganhar menos que os homens na mesma função. Até hoje privilegiamos os estudos dos nossos filhos homens em detrimento de nossas filhas, quando o dinheiro, na família, é curto. Até hoje confiamos mais em profissionais homens do que em profissionais mulheres, na medicina, na política e até mesmo no esporte.
E, não contentes com tudo isso, ainda torcemos o nariz para as mulheres que lutaram e que lutam por nós, dizendo horrorizadas: “não, eu não sou feminista”, porque, ingenuamente, fazemos o jogo machista que, para se defender do avanço social das mulheres, inventou que toda feminista é feia e mal amada.
Mas sem elas, sem as feministas, ainda estaríamos na situação descrita no início desse texto.
Hoje, cada vez mais, estamos no mundo. E ainda conseguimos, apesar de nossas atividades profissionais, acumular as funções domésticas e maternais. E, como se só isso não fosse já muita coisa, conseguimos também manter nosso corpo atraente e desejável. Somos umas heroínas, minha amiga.
Carregando a nossa inconsciente inferioridade histórica, conseguimos desempenhar esse múltiplo papel: profissionais, mães, donas de casa e fêmeas atraentes. Nós somos o máximo! O único problema é que apenas nós mesmas ainda não percebemos isso.
Um abraço
Isabel
*Isabel Fomm Vasconcellos é produtora e apresentadora do Saúde Feminina (de segunda a sexta, meio dia, Rede Mulher de TV) e autora, sendo “Sexo Sem Vergonha” seu último livro, publicado pela Soler Editora.
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