Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
Na década de 1910 uma enfermeira americana, de Nova Iorque, sofreu bárbaras perseguições, foi presa várias vezes e teve até que se exilar por um ano na Inglaterra. Seu nome era Margaret Sanger e a causa de tanto sofrimento era a sua luta para que todas as mulheres tivessem o direito de ter apenas os filhos que desejassem ter. Margaret divulgava informações sobre contracepção e foi, por isso, acusada pela puritana sociedade dos EUA de estar divulgando material pornográfico.
Naquele tempo, as mulheres morriam aos montes, por causa dos partos ou por causa dos abortos. Não havia, é claro, pílula anticoncepcional e as únicas maneiras de se evitar filhos eram a abstinência sexual, o coito interrompido ou as primitivas camisinhas. Os homens não estavam dispostos a ceder um milímetro do seu prazer, gozando fora ou usando as tais camisinhas, para evitar que as suas mulheres fossem (como efetivamente o eram) expostas a seguidas e nem sempre desejadas gravidezes.
Margaret queria ensinar a elas, pelo menos, a usar a famosa tabelinha dos dias férteis e evitar relações sexuais nesses dias. A nossa heróica enfermeira dizia que nenhuma mulher poderia ser livre enquanto não mandasse no seu próprio corpo.
Hoje, quase cem anos depois da luta dessa nossa maravilhosa antepassada, ainda não podemos dizer que mandamos no nosso corpo, que somos livres. Na verdade, a maioria das mulheres tem sido vítima de seu corpo.
Apesar das inúmeras conquistas da ciência médica, da nossa atual longevidade, dos muitos e muitos métodos anticoncepcionais que estão disponíveis no mercado, nós, mulheres, ainda desconhecemos o funcionamento dos nossos órgãos reprodutivos, ainda estamos cheias de preconceitos e tabus quanto às nossas feminilidade e sexualidade. Com raras exceções, temos sido absolutamente ignorantes do preço que a natureza nos cobra pelo dom de gerar filhos. Muitas têm vergonha de se tocar, até mesmo de ir ao ginecologista, perpetuam nas suas filhas a noção de que a genitália é um lugar sujo e impuro, quando é justamente o contrário. Séculos de repressão sexual nos fazem ter uma visão distorcida do sexo e até mesmo da maternidade.
Ignorantes do funcionamento da sensacional máquina reprodutiva que é o corpo feminino, ignorantes da extrema importância da função social da maternidade, ignorantes das influências dos hormônios sexuais até mesmo no comportamento, nós continuamos vítimas do nosso corpo.
Quantas mulheres, nesse momento, não estão sofrendo de cólicas, de TPM, de dor de cabeça menstrual? Quantas não estão angustiadas por uma gravidez indesejada? Quantas não estão morrendo por abortos clandestinos ou provocados por medicamentos?
Todos esses sofrimentos podem e devem ser evitados. Para isso basta, com o auxílio de um bom médico, tomar as rédeas de seu próprio corpo.
Numa entrevista recente, o jornalista me perguntava se eu era a favor do aborto. Sou contra. Porque acho ridículo que, com tantos métodos contraceptivos disponíveis, mulheres ainda engravidem sem querer.
Nós precisamos usufruir de tudo o que a ciência médica conquistou para o nosso bem estar. Mas nunca faremos isso enquanto nos envergonharmos de nossos corpos, enquanto acreditarmos nos velhos tabus sexuais, enquanto não formos senhoras de nossa própria sexualidade. Não seremos livres, nem felizes, como dizia Margaret Sanger, enquanto não formos donas absolutas de nossos corpos.
Isabel Fomm Vasconcellos é produtora e apresentadora do programa Saúde Feminina (de segunda a sexta, 11h30, ao vivo, na Rede Mulher de TV) e autora do livro “A Menstruação E Seus Mitos”, Editora Mercuryo.