Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
As mulheres modernas se orgulham, muitas vezes, da posição que ocupam hoje em sociedade, de seus direitos (conquistados a duras penas por gerações e gerações de nossas antepassadas), de seus hábitos contemporâneos, de seu alto nível de informação, de sua liberdade sexual.
As mulheres de hoje podem escolher seus próprios caminhos, seguir os impulsos naturais de suas respectivas vocações, trilhar uma carreira profissional. Isso, até muito pouco tempo atrás, era impensável. Só as muito loucas e muito ousadas é que conseguiam escapar do único modelo possível, o de mãe e do lar. E, mesmo assim, pagavam alto preço social por isso, muitas vezes enfrentando o desprezo, o sarcasmo…
O fato é que a mulher de hoje, da simples mulher do povo à deusa da mídia, não é sexualmente livre coisa nenhuma. Todas nós temos o direito de fazer sexo, sem ter que prestar contas à ninguém, e isso foi sem dúvida uma vitória feminina. Mas isso não significa ser sexualmente livre.
Livres para fazer amor, sim, mas presas aos grilhões de anos, séculos, milênios, de submissão sexual. O que se ensina para os meninos é, em resumo, que eles sejam predadores sexuais. Às meninas, que resistam.
Pense bem, minha amiga: é uma educação para a guerra.
Guerra que nós, mulheres, perdemos feio. Temos todas as desvantagens e nelas se inclui a educação repressiva. Aprendemos (e ensinaremos aos nossos filhos?) que genitais são aquela parte do corpo que é melhor fingir que não existem, a não ser quando precisamos fazer uso deles. Não sabemos nos tocar e desconhecemos quase tudo a respeito de nossos próprios órgãos sexuais femininos. Meninos se masturbam, como a coisa mais natural do mundo. Meninas aprendem a não se tocar.
Meninos fazem sexo pelo prazer. Meninas precisam da desculpa do amor.
Nós mulheres trazemos, em nossa bagagem cultural, séculos e séculos de repressão sexual e social. Dentro de nós moram nossas avós, a quem era negado o prazer do sexo. Dentro de nós moram nossas antepassadas, a quem era dado apenas dois caminhos: a mãe de família assexuada, ou a prostituta saco de pancada.
Mas, como nada é completamente estúpido na vida, existiram as exceções. Mulheres, poucas, que driblavam as armadilhas sociais e construíam, elas próprias, suas vidas; mulheres que se rebelaram e lutaram para que pudéssemos viver hoje com os direitos que elas conquistaram para nós; mulheres que encontraram a alegria do sexo, mesmo que proibido, e se realizaram com seus companheiros.
As meninas de hoje precisam ser ensinadas a serem como essas mulheres, essas que, em passado ainda recente, foram as exceções. Nossas meninas precisam crescer com uma visão sadia de sua própria condição feminina, precisam aprender a gostar de seu próprio corpo e compreende-lo em tudo que ele pode nos proporcionar.
Mas se nós mesmas rejeitamos nosso corpo, nos intimidamos com ele, não nos conhecemos, como ensinar às nossas meninas, para que elas sejam mais felizes do que nós?
Pagamos um preço alto pela capacidade de gerar filhos: a dança dos nossos hormônios. E isso também tem influência na nossa sexualidade. Mas podemos aprender a trabalhar com essas nossas características, trabalhar a nosso favor. Mas, para isso, precisamos conhecer o funcionamento da nossa feminilidade, precisamos saber como nosso corpo funciona. E precisamos ainda mais que isso: precisamos aprender a tocar e a reconhecer o nosso corpo.
Hoje em dia, até em hospitais, como o Pérola Byington de S.Paulo, se pode aprender a ter uma nova visão da sexualidade, uma visão mais sadia. Existem ambulatórios de sexualidade em muitos hospitais públicos.
Sozinhas ou com ajuda profissional, nós só teremos conquistado a verdadeira liberdade sexual quando conquistarmos a intimidade com o nosso próprio corpo.
Primeiro a mulher achou que seria livre quando conquistasse o direito ao voto. Depois, quando pudesse mandar no seu corpo e fazer contracepção. Depois, quando atingisse a liberdade econômica. Agora é a vez da verdadeira liberdade sexual que não existirá, acredite, enquanto não recuperarmos a intimidade, socialmente reprimida, com o nosso próprio corpo.
Um abraço e até a próxima, Isabel.
*Isabel Fomm Vasconcellos é produtora e apresentadora do Saúde Feminina (de segunda a sexta, ao vivo, meio dia, na Rede Mulher de TV) e autora do livro “A Menstruação E Seus Mitos”, Ed. Mercuryo.