Por: Isabel Fomm Vasconcellos*
Cresci e fui criada na tradição católica, como a maioria dos brasileiros da minha geração. Até hoje, embora há muito tenha rompido com a Igreja, minha filosofia de vida, meus atos, minha conduta, são, sem sombra de dúvida, pautadas pelos princípios do cristianismo. Não aprecio porém o pontificado de João Paulo II. A mesma igreja católica, que levou 500 anos para admitir que Galileu Galilei estava certo e que a terra gira sim em torno do sol e não o contrário, parece que vai levar mais meio milênio para admitir que as mulheres são seres humanos iguaizinhos aos homens. Recentemente, o Vaticano veio a público para condenar as feministas, esquecendo-se de que a história feminista é uma história de lutas, sofrimentos, humilhações, que levou as mulheres a usufruírem, hoje, dos muitos direitos que suas antepassadas conquistaram para elas, como, por exemplo, o mais básico direito humano que é o direito ao voto, o direito a eleger quem vai gastar, na administração pública, o nosso dinheiro.
Que a Igreja Católica é machista, ninguém pode duvidar. Foi ela que queimou milhares de fêmeas na fogueira da Inquisição, sob o pretexto de que a sapiência milenar das mulheres era sinônimo de bruxaria, coisa do diabo.
Se as mulheres católicas seguissem à risca a proibição papal ao consumo das pílulas anticoncepcionais, muitas das nossas atuais poderosas indústrias farmacêuticas já teriam fechado as portas. Mas nem tudo é hipocrisia entre as mulheres dessa religião. Existe a internacional organização chamada “Católicas Pelo Direito De Decidir” que defende, não só o direito ao planejamento familiar, como até ao aborto.
Sinceramente, não entendi o porquê desse recente ataque do Vaticano às feministas. Veja bem, não estou me referindo aqui àquelas mulheres que se aproveitam do feminismo para tirar vantagens pessoais, às americanas que processam homens por assédio sexual apenas para ganhar dinheiro ou mesmo àquelas que, amparadas pela lei que protege às crianças e às suas mães, cavam uma gravidez de um homem famoso para usufruirem, depois, das pensões milionárias. Essas não são feministas, são aproveitadoras. É muito diferente.
Não estamos vivendo no mundo, nesse momento, nenhum grande avanço do movimento feminista. Ao contrário. No ocidente, grande parte das mulheres, indiferentes às conquistas dos básicos direitos que as suas antepassadas feministas conseguiram para elas, estão cada vez mais a se deixar escravizar pela ditadura da mídia com relação ao seu corpo, estão regredindo na consciência de seu papel social como mulheres. Então, por que, hoje, nesse momento, os padres resolveram encher o nosso saco?
Uma Igreja machista, que não admite sequer que as mulheres sejam capazes de exercer o poder sacerdotal, vêm à público condenar as feministas, heroínas da nossa condição social, a troco de que? O que é que eles entendem de mulher? Eles, que nem mesmo têm esposas, não constituem família, o que sabem eles dos nossos problemas, de nossas cotidianas lutas e angústias? Por que esse ataque gratuito à memória das mulheres que conquistaram direitos na sociedade para nós?
Em que os direitos das mulheres podem incomodar a Igreja Católica?
Por que nos encaram como se fôssemos uma ameaça?
As mulheres organizadas lutam por direitos humanos, lutam, inclusive, pela paz mundial, que é uma bandeira tradicional dos movimentos feministas.
Parece que a Igreja Católica está, como grande parte da sociedade, confundindo as verdadeiras feministas com as aproveitadoras já citadas.
*Isabel Fomm Vasconcellos é produtora e apresentadora do Saúde Feminina ( segunda a sexta, ao vivo, 14h15, na Rede Mulher de TV e Rede Família) e autora do livro “ A Menstruação E Seus Mitos”, Ed. Mercuryo.